A luta das MULHERES cientistas
A luta diária das mulheres cientistas
Discriminação, injustiça, assédio sexual — não é fácil ser mulher na ciência. Elas precisam ser muito mais produtivas do que os homens para chegar lá, mas não desistem fácil
Desde
pequena, Luana* sonhava estudar astronomia enquanto observava o céu
estrelado de sua cidade, no interior da Bahia. Crescida, formou-se em
física e foi atrás de um mestrado em Natal, no Rio Grande do Norte.
Em busca de um orientador, procurou o coordenador do curso, Jonas,*
um astrônomo. Na mesma hora, foi convidada por ele para participar
de seu grupo de pesquisa. No auge de seus 23 anos, Luana pulou de
alegria. O professor prontamente lhe ofereceu uma sala ao lado da sua
no prédio dos docentes, onde os alunos eram proibidos de trabalhar,
e quis instalar câmeras para que os dois ficassem mais próximos.
Ligava nos finais de semana para saber o que ela estava fazendo. Ela
saía para jantar com o professor e outros estudantes, e durante os
encontros, os assuntos eram todos de cunho sexual. Certa vez, ao sair
de um restaurante, Jonas disse que deixaria Luana em casa e
abraçou seu quadril. Ela fugiu de todas as investidas, e com o
passar dos meses começou a namorar um rapaz de outra área da
pós-graduação. Quando o orientador soube do namoro, Luana passou a
ser excluída de reuniões e seu nome foi retirado de apresentações
nacionais de artigos. Um dia, ao chegar em sua sala, ela encontrou a
mesa vazia. O computador havia sumido. Foi então que ela descobriu
outros quatro
casos de abuso envolvendo o mesmo professor —
incluindo uma aluna da iniciação científica que perdeu a bolsa ao
recusar uma investida — e o processou por assédio sexual. Todo o
departamento e a própria universidade acobertaram o caso. E o
orientador ainda processou Luana por assédio, alegando que ela usava
roupas provocantes. Luana desenvolveu síndrome do pânico e
transtorno obsessivo-compulsivo. Não conseguia dar três passos sem
voltar para ver se suas coisas estavam onde havia deixado. Tinha
crises toda vez que alguém tocava seu braço. Mas juntou forças
para se mudar e recomeçar o mestrado do zero. Hoje, ela é
professora de astrofísica em uma universidade no sul do país.
A
história de Luana é mais uma entre tantas de mulheres que ousaram
entrar em áreas da ciência dominadas por homens e acabaram sofrendo
abuso moral, assédio e outros tipos de opressão. Há algo de podre
na ciência brasileira que exclui sistematicamente as mulheres da
produção acadêmica. Uma pesquisa realizada com exclusividade por
GALILEU aponta que, nas maiores universidades do Brasil, o
número de alunas na graduação é maior que o número de mulheres
no corpo docente —
o que sugere que essas alunas desistem em algum ponto entre a
graduação e o doutorado. Na área de biologia, elas representam 61%
dos alunos e 44% do total de docentes. Na física, são 21% dos
estudantes e 16% dos professores, e na química são 56% dos alunos e
apenas 37% dos docentes.
Segundo
Márcia Barbosa, professora de física da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS) e integrante do grupo de gênero da Sociedade
Brasileira de Física, a porcentagem de mulheres nos grupos de
pesquisa é ainda menor que entre os docentes, e na física não
chega a 5%. “Uma coisa é dar aula, mas existe também a carreira
de pesquisador, que recebe bolsas de pesquisa e não é avaliado como
professor. É uma posição de poder, porque você pede financiamento
para alunos, viagens, projetos. A diferença entre o número de
mulheres que começam os cursos e o das que de fato alcançam o topo
da carreira é enorme”, diz. Por que essas cientistas abrem mão da
carreira? Há vários motivos, e o
assédio sexual é apenas o mais grave deles.
Até
os anos 1960, a carreira acadêmica era muito fechada no Brasil. O
diploma das escolas que as mulheres frequentavam — quando tinham
permissão para isso — não dava acesso ao ensino superior. Com a
equalização dos diplomas de ensino médio a partir de então, há
uma abertura maior para as mulheres, mas elas entram nas
universidades em um contexto no qual as contratações acontecem com
base em indicações (não existiam concursos institucionais como
atualmente). A década de 1960 é marcada pelo surgimento de várias
universidades que hoje são consideradas importantes, mas que na
época não tinham prestígio e precisavam de professores com
urgência. Muitas mulheres viraram professoras universitárias dessa
forma, já que os homens não tinham interesse em competir pelas
vagas. “As mulheres entraram nas universidades muito depois dos
homens. Há um longo caminho a ser trilhado de modo a colocarmos os
valores, a maneira de ser, a disciplina que aprendemos desde crianças
como valores positivos dentro da carreira”, afirma Márcia.
DOIS
PESOS, DUAS MEDIDAS
Um
menino pula em poças de lama, brinca com insetos, desmonta baterias
e enfia a mão em uma fruta para ver como é por dentro, tudo sob o
olhar orgulhoso dos pais. A irmã da mesma idade tenta fazer igual e
rapidamente ouve advertências: “Não vá sujar seu vestido”,
“Isso não é brincadeira para meninas”. É exatamente aí que
começa a diferença entre o número de homens e o de mulheres
cientistas. Para as pequenas, o explorar, que está diretamente
ligado à ciência, é terreno proibido.
A
barreira seguinte aparece na escola. Um estudo divulgado recentemente
pelo instituto de pesquisa norte-americano National Bureau of
Economic Research indicou que professores
de matemática dão notas maiores para meninas quando não sabem de
quem são as provas que estão corrigindo.
Estudantes do sétimo ano até o final do ensino médio fizeram duas
provas e assinaram seus nomes em apenas uma delas. Na anônima, as
garotas tiraram notas melhores. Na identificada ocorreu o contrário.
A conclusão é que os professores tendem a subestimar as habilidades
das meninas em matemática e superestimar as dos meninos. “Elas são
tão boas quanto os homens em áreas científicas. Um estudo que
fizemos com o ensino médio dois anos atrás mostrou que, em média,as
meninas são melhores que os meninos em matérias como matemática e
física.
Então por que existem tão poucas cientistas mulheres?”, pergunta
Sara Ravella, que ocupou até junho o cargo de vice-presidente de
comunicação e sustentabilidade na L’Oréal e foi uma das
responsáveis pelo prêmio Para Mulheres na Ciência, que incentiva
as atividades de pesquisadoras ao redor do mundo.
Conversando
com cientistas, Sara descobriu que muitas
delas decidem interromper ou abandonar a carreira quando chegam ao
doutorado para casar e ter filhos.
É que a gestação e o nascimento de um ser humano não são levados
em conta no processo de concessão de bolsas. Se a mulher publicou
menos artigos que um colega do sexo masculino durante um ano porque
teve um filho, ela corre o risco de perder a bolsa e é julgada como
se gerar uma vida não influenciasse seu trabalho. Somente em 2013 as
bolsistas do CNPq ganharam o direito a um ano adicional no prazo do
doutorado.
NADA
CIENTÍFICOS
As
mulheres que superam essas barreiras e permanecem na ciência vão
continuar lidando com os estereótipos de gênero. Márcia conhece
bem essa realidade. Certa vez, num seminário sobre física em Santa
Barbara, nos Estados Unidos, ela entrou numa discussão com outros
colegas e seu ponto foi o mais bem-aceito pelo grupo. Ao terminar, um
homem que havia perdido a discussão lhe disse, diante de todos: “Não
consegui argumentar direito porque seu perfume estava me
atrapalhando”. A física gaúcha rebateu dizendo que funciona com
neurônios, não com hormônios, mas uma outra mulher poderia ter se
deixado abalar. Em outra ocasião, Márcia adentrou a sala onde
acontecia uma reunião de um comitê internacional de física. Um dos
pesquisadores lhe pediu um café, achando que fosse uma secretária —
ela era a única mulher no encontro. “Se tivesse entrado um senhor
de cabelos brancos, caucasiano, mais dentro do estereótipo, o
pesquisador não teria feito esse pedido”, diz.
O
pior é que a responsabilidade pela discriminação acaba muitas
vezes recaindo sobre as próprias mulheres. Como
no caso do cientista britânico Tim Hunt, premiado com o Nobel, que
disse num evento que homens e mulheres deveriam trabalhar em
laboratórios separados porque elas se apaixonam por eles e, quando
são criticadas, choram.
“Na maior parte dos casos, todas as questões femininas, que são
diferentes das questões que os homens enfrentam, são consideradas
fraquezas. Muitas mulheres choram quando confrontadas ou quando os
homens gritam. Por que gritar é melhor que chorar? São instrumentos
de negociação”, afirma Márcia.
Meg
Urry, diretora do centro de astronomia e astrofísica da Universidade
Yale, disse que vê muitas mulheres deixando a física não por serem
menos talentosas, mas pelo desânimo resultante de sentirem-se
“menosprezadas e desconfortáveis e de encontrar barreiras no
caminho para o sucesso”. Isso é comprovado cientificamente: um
estudo de Yale apontou que físicos, químicos e biólogos tendem a
ver os homens de maneira mais favorável em detrimento das mulheres
quando ambos têm as mesmas qualificações. Outra pesquisa,
publicada na revista norte-americana Nature, mostrou que as
mulheres que se candidatam a bolsas precisam ser 2,5 vezes mais
produtivas que os homens para serem consideradas igualmente
competentes.
Só
o fato de estar num ambiente onde não há outras mulheres já traz a
sensação de não pertencimento, que pode ser aquele empurrãozinho
para a desistência. “Muitas mulheres cientistas vão para a área
de exatas e são tratadas como impostoras, como se aquele não fosse
o lugar delas. Você entra numa sala onde é a única mulher e pensa:
‘O que estou fazendo aqui? Não é para mim’. Precisamos
de projetos que mostrem que lugar de mulher é onde ela quiser”,
diz Márcia. A começar pelas adolescentes que gostam das disciplinas
de exatas mas acham que ciência é feita por “cientistas malucos”
de cabelos espetados. A ciência faz parte do nosso dia a dia e é a
única resposta para os grandes desafios que a humanidade enfrenta. O
mundo precisa de 100% dos seus talentos, não só dos 50% que sempre
estiveram à frente dos laboratórios.
Leia a matéria na íntegra através deste link : http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2015/09/luta-diaria-das-mulheres-cientistas.html
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