Alexandre O Grande, o cara
Alexandre, o cara
Que
diferença uma pessoa pode fazer no mundo? Quanto um indivíduo
sozinho pode mudar a história? Antes de responder, conheça esse
homem.
Em
356 a.C., no sexto dia do mês grego de Hecatombeon, o grande templo
de Artemis, em Éfeso, onde hoje fica a costa da Turquia, foi
destruído pelas chamas. Entre os habitantes da cidade, o incêndio
da magnífica construção – uma das sete maravilhas do mundo
antigo – foi visto como um sinal divino. Enquanto o templo
queimava, os magos de Éfeso corriam em volta das labaredas, batendo
as mãos no rosto e anunciando que feitos grandiosos e terríveis se
aproximavam.
No
mesmo dia, segundo o escritor grego Plutarco, do outro lado do mar
Egeu, uma mulher chamada Olímpias dava à luz seu primeiro filho.
Olímpias era rainha da Macedônia, no norte do que hoje é a Grécia.
Segundo ela, na noite em que o garoto foi concebido, um relâmpago a
atingiu no ventre. O rei Filipe II, marido de Olímpias, disse ter
encontrado a esposa adormecida ao lado de uma enorme serpente.
Se
essas histórias são verdadeiras, não sabemos. O que sabemos é que
o menino ganhou o nome de Alexandre. Sabemos também que, antes de
completar 30 anos, o filho de Olímpias e Filipe se tornaria o maior
conquistador que o mundo já vira – e um dos maiores que veria até
hoje. Alexandre foi senhor de um império gigantesco e responsável
por uma das campanhas militares mais espetaculares da história. Seu
nome tornou-se um mito – e sua personalidade continua até hoje
mergulhada em polêmica e mistério.
O
nascimento se deu numa época conturbada. Fazia mais de um século
que a bacia do mar Egeu era palco de um sangrento duelo entre duas
potências rivais: as cidades-estado da Grécia e o enorme Império
Persa. Até aquele momento, os gregos haviam sido vitoriosos, mas as
poderosas e independentes cidades-estado, divididas por rivalidades
seculares, mostravam-se incapazes de transformar a Grécia em uma
nação coesa. Enquanto o Império Persa se recuperava das antigas
derrotas, os gregos lutavam entre si, arrastando o país à beira da
anarquia.
Filipe,
pai de Alexandre e rei da Macedônia, dedicou-se a reverter essa
situação. Dotado de um incansável gênio político, ele
transformou seu reino em uma potência internacional e criou um
exército organizado e eficaz (veja o quadro à direita). No auge de
seu poder, Filipe fundou a Liga de Corinto, organismo que unificava
todas as cidades da Grécia – menos Esparta – sob a hegemonia
macedônica. No entanto, não teve tempo de realizar seu projeto mais
ambicioso: unir gregos e macedônios em uma expedição contra o
inimigo comum, o Império Persa.
Durante
uma festa, em 336 a.C., Filipe foi apunhalado. Alexandre subiu ao
trono em meio a uma tempestade de intrigas, cercado por inimigos
dentro e fora do reino. Para manter-se no poder, ele foi implacável:
eliminou adversários na corte, esmagou rebeliões e provou que
Filipe tinha um herdeiro à altura. Com o reino pacificado, Alexandre
estava pronto para levar adiante os projetos do pai – e superá-los.
Caberia a ele conduzir a Macedônia ao auge de seu poder e abrir um
novo capítulo na história do mundo.
Jovem
rei
Quando
tomou as rédeas do reino, Alexandre tinha só 20 anos, mas já era
um político habilidoso e um guerreiro indomável. Desde a infância,
a ambição foi sua característica dominante. Certa vez, ao receber
notícias de uma vitória de Filipe, o príncipe lamentou-se com seus
amigos: “Meu pai vai acabar conquistando tudo, e não deixará para
nós nenhum feito grandioso”. Aos 18 anos, quando comandou a
cavalaria macedônica na batalha de Queronéia, sua coragem
transformou-o em um ídolo entre os soldados. O gosto pelo perigo,
unido a um profundo magnetismo pessoal, encantava seus companheiros e
fazia de Alexandre um líder irresistível.
Além
da bravura militar, ele havia demonstrado desde menino uma grande
curiosidade intelectual. Apaixonado pelas artes e pelas ciências,
sempre respeitou os poetas, filósofos e eruditos (veja o quadro na
página 45). Certa vez, afirmou que teria preferido superar os outros
em conhecimento do que em poder político. O macedônio sabia de cor
os versos da Ilíada e costumava dormir com o livro debaixo do
travesseiro – junto com a espada, claro. Sua mãe o convenceu de
que era descendente de Aquiles, o grande herói da Guerra de Tróia.
Essa guerra mítica teria sido a origem ancestral da rivalidade entre
gregos e persas. Alexandre adotou Aquiles como modelo e, assim como o
semideus fabuloso, o rei dos macedônios era generoso com os amigos e
capaz da maior cortesia com os adversários, mas também vivia
obcecado pela idéia de sua própria grandeza e deixava-se arrastar
por surtos de cólera.
Em
334 a.C., ele pôs em ação o velho projeto do pai: à frente de um
exército de 37 mil soldados, marchou para a Ásia Menor e atacou os
persas em seus próprios domínios. A primeira grande batalha ocorreu
às margens do rio Granico (que hoje se chama Koçabas). Galopando à
frente da cavalaria, Alexandre foi cercado por uma multidão – e
teria morrido ali mesmo, em começo de carreira, atravessado pela
cimitarra de um comandante persa, se não fosse seu amigo Clito, que
decepou o braço do atacante e salvou a vida do rei por uma fração
de segundo.
O
exército macedônico deparou com o grosso das forças adversárias
em uma planície próxima de Issus, na Síria. Lá, Dario III,
imperador da Pérsia, aguardava-o com um exército de provavelmente
50 mil a 75 mil homens (alguns historiadores antigos chegam a falar
de 600 mil homens, mas os historiadores antigos não se notabilizam
pela exatidão numérica). As tropas de Alexandre eram menores em
número, mas superiores em tática e disciplina – e o resultado foi
um banho de sangue. Os macedônios massacraram milhares de soldados
inimigos e o resto fugiu em pânico – incluindo o próprio Dario
III, que abandonou sua mãe, sua esposa e suas filhas no acampamento
real. Ao encontrar a família do inimigo, Alexandre se comportou como
um cavalheiro: garantiu às cativas que seriam tratadas como rainhas
e jamais permitiu que alguém as desrespeitasse. As prisioneiras
afeiçoaram-se tanto a seu captor que, após a morte de Alexandre,
Sisigâmbis, mãe de Dario, suicidou-se por inanição.
Depois
dessa vitória esmagadora, nada parecia impossível. Pouco a pouco,
as verdadeiras ambições de Alexandre começavam a se revelar. Ele
não pretendia apenas derrotar o Império Persa. Seu desejo ia um
pouco além: dominar o mundo.
Filho
de deuses
Antes
de completar a conquista da Ásia, Alexandre dirigiu-se para a África
e penetrou triunfalmente no Egito. A terra das pirâmides, que
durante séculos fora dominada pelos persas, saudou-o como libertador
– e o rei da Macedônia foi declarado herdeiro dos faraós. Após
iniciar a construção de Alexandria – uma das muitas cidades que
levariam seu nome (veja o quadro da página 47) –, o conquistador
cavalgou pelo deserto para visitar o oásis de Siva, na Líbia, onde
se localizava o célebre oráculo do deus solar Amon – que, na
Grécia, era associado a Zeus, o senhor do Olimpo. De acordo com
alguns relatos, os sacerdotes do templo, vendo aproximar-se o
monarca, saudaram-no como “filho de Zeus” e anunciaram que seu
destino era dominar o Universo.
As
palavras dos sacerdotes alimentaram o velho rumor de que Alexandre
não era um simples mortal – mas um filho dos deuses. “Para a
mentalidade oriental, isso caía como uma luva. Especialmente no
Egito”, diz o historiador clássico Anderson Zalewski, da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “O fato de um
conquistador se apresentar como deus não era anormal por lá. Um dos
elementos da monarquia oriental era o caráter divino”, afirma.
Jamais
saberemos com certeza se o próprio Alexandre acreditava em sua
natureza divina, mas, entre seus seguidores gregos e macedônios,
essa pretensão – mesmo que não passasse de truque político –
era encarada com desconfiança. Muitos pensavam que, ao declarar-se
filho de um deus, Alexandre renegava a memória de seu pai, Filipe.
Outros acreditavam que a vaidade do jovem soberano estava indo longe
demais. Em 324 a.C., quando Alexandre ordenou que os súditos o
reconhecessem como um deus vivo, seus inimigos denunciaram o ato como
pura megalomania. Em Esparta, comentou-se com desprezo: “Deixem
Alexandre ser um deus, se isso lhe agrada...”
Rei
dos Reis
Conquistado
o Egito, Alexandre não voltou para casa. Ele preferiu rumar para a
Ásia, onde iniciou uma caçada humana – cuja presa era Dario III.
“Se te consideras um rei”, escreveu o macedônio ao imperador da
Pérsia, “prepara-te para a luta e não fujas, pois eu te
perseguirei aonde quer que vás”. Os inimigos voltaram a se
defrontar em 331 a.C., em Gaugamela (atual Tell Gomal, no Iraque).
Dario fugiu pela segunda vez e acabou sendo assassinado por um de
seus próprios oficiais. Em Susa, uma das antigas capitais do
império, Alexandre sentou-se triunfalmente no trono dos soberanos
persas. Agora ele era o “Rei dos Reis”, senhor de gregos e dos
asiáticos. Tinha apenas 25 anos.
No
entanto, ao mesmo tempo em que o rei atingia o ápice da glória, as
tensões entre ele e seus seguidores chegavam a um ponto crítico. O
macedônio começava a se comportar como um monarca absoluto – e
muitos de seus oficiais ressentiam-se dessa transformação.
Alexandre instituiu em sua corte a cerimônia da proskynesis, ou
prostração – gesto de humildade em que o súdito se curva perante
o soberano. Entre os persas, esse ritual não passava de uma mostra
de respeito. Para os gregos e macedônios, era um ultraje. “Os
soldados de Alexandre consideravam-se seus companheiros, e o ato de
se prostar era visto como uma degradação própria de escravos”,
afirma o historiador Zalewski.
Alexandre
passou a favorecer cada vez mais os súditos asiáticos e começou a
imitar muitos de seus costumes. Incluiu nobres persas em seu círculo
de amizades, entregou o governo de províncias a antigos funcionários
de Dario e adotou trajes orientais. Também estimulou a união entre
seus oficiais e mulheres asiáticas – chegando ele próprio a se
casar com uma nobre iraniana chamada Roxane. Muitos gregos e
macedônios acusavam o rei de estar se afeiçoando perigosamente ao
inimigo.
Durante
os anos que Alexandre passou na Ásia, a antiguidade e o mistério
das culturas orientais exerceram grande fascínio sobre seu espírito.
No livro Alexandre e o Império Helênico, o historiador britânico
A.R. Burn, da Universidade de Glasgow, Escócia, afirma que o
macedônio “aprendera a respeitar os persas por sua coragem em
luta, e mesmo por sua eficiência administrativa”. Além disso,
certamente lhe agradava o ego ser tratado como um soberano supremo.
Acima de tudo, no entanto, havia uma questão de ordem estratégica:
para governar um império que pretendia ser universal, era preciso
ganhar o coração dos novos súditos e estabelecer uma unidade
cultural em seus domínios. “Sua tática era mimetizar os costumes
dos povos dominados, procurando conciliar a tradição helênica e a
memória cultural local”, diz o historiador e arqueólogo Francisco
Marshall, também da UFRGS. “O grande motivo por trás da
orientalização de Alexandre e de sua política de mestiçagem é o
desejo de evitar a fragmentação em seus domínios”, afirma.
É
claro que um projeto tão complexo não poderia ser totalmente
compreendido por aqueles que o cercavam. “A orientalização de
Alexandre causou amargo rancor entre os macedônios e a tensão
passou a disseminar-se pela corte”, afirma o historiador britânico
John Maxwell O’Brien em Alexander the Great: the Invisible Enemy
(“Alexandre, o Grande: o Inimigo Invisível”, sem tradução no
Brasil). Murmúrios de descontentamento fervilhavam entre as tropas e
o rei já sentia a solidão do poder absoluto. Desconfiado e
taciturno, bebia cada vez mais, enxergava inimigos por todos os lados
e tratava sem piedade os suspeitos de traição.
Em
328 a.C., durante um banquete de casamento na cidade de Samarcanda,
Clito, o heróico oficial que tinha salvado a vida de Alexandre anos
antes, às margens do Granico, deixou-se levar pela raiva e lançou
na face do rei uma série de acusações amargas. “Tenho inveja dos
mortos” gritou ele, “que não viveram para ver macedônios
açoitados com varas, implorando aos persas, como se fosse um favor,
uma audiência com nosso próprio rei!” A inveja de Clito não
duraria muito. Alexandre, que estava completamente embriagado,
arrancou uma lança das mãos de um de seus guardas e atravessou com
ela o coração do amigo. Clito caiu com um gemido e morreu na hora.
Ao ver o cadáver estirado a seus pés, Alexandre ficou imediatamente
sóbrio e entrou em desespero. O remorso o manteve na cama durante
três dias, sem aceitar comida nem vinho.
O
episódio, contudo, não diminuiu a determinação do macedônio –
e, passado o choque inicial, sua ambição e seus modos autoritários
voltaram com força redobrada. Os domínios de Alexandre já
abrangiam três continentes, mas ele não estava disposto a descansar
enquanto não alcançasse os limites do mundo conhecido. Assim, em
327 a.C., o rei voltou a reunir suas tropas e marchou. Rumo à Índia.
Deus
caído
Para
os gregos, a Índia era uma região misteriosa e de geografia
incerta. Alguns afirmavam que, para além dela, estendia-se o Oceano
Exterior – uma gigantesca massa de água que demarcava os limites
da Terra. Acreditasse ou não nessas lendas, o fato é que Alexandre
pretendia ultrapassar as antigas fronteiras do Império Persa e
estabelecer seu domínio sobre as “terras incógnitas” do Extremo
Oriente. Ele queria nada menos do que a China.
Às
margens do rio Hidaspes (hoje Jhelum, na Caxemira, região disputada
pela Índia e o Paquistão), Alexandre encontrou um adversário à
altura: o rajá de Paurava, conhecido entre os gregos como rei Porus.
Porus era um gigante – dizem que tinha mais de 2 metros – e
poucos igualavam sua coragem em batalha. Segundo algumas fontes, seu
exército contava com 23 mil homens, 300 carros de guerra e 85
elefantes. A luta começou sob chuva, na penumbra da madrugada,
enquanto os cavaleiros gregos atravessavam o rio com água no peito.
Montado em seu elefante, Porus continuou a lutar com fúria mesmo
após a morte de seus dois filhos e a dispersão de quase todas as
tropas. Quando o indiano finalmente se rendeu, Alexandre estava
impressionado com sua bravura. Perguntou-lhe como desejava ser
tratado, ao que Porus respondeu: “Como um rei”. Alexandre atendeu
seu pedido: manteve Porus no poder e fez dele um aliado. O rajá
permaneceu leal ao rei da Macedônia até o fim da vida. Foi nessa
batalha que morreu Bucéfalo, o célebre cavalo de Alexandre.
Entusiasmado
com a vitória, o conquistador preparava-se para avançar até o rio
Ganges. Mas a encarniçada batalha contra Porus havia esfriado o
ânimo das tropas. Esgotados pelo sufocante verão indiano e pelas
incessantes chuvas de monção, os soldados, que acompanhavam
Alexandre havia oito anos, só pensavam em voltar para casa. Às
margens do rio Hífaso, o exército recusou-se a dar um único passo
adiante. Furioso, Alexandre afirmou que seguiria sozinho se fosse
preciso. Encerrou-se em sua barraca e, por dois dias, recusou-se a
ver qualquer pessoa. Mas, dessa vez, sua ira foi inútil.
Compreendendo que não lhe restava opção, ele cedeu ao apelo dos
oficiais. Quando souberam que iam voltar, os soldados choraram de
alegria.
Retornando
ao centro do império, Alexandre começou a sonhar com novas
campanhas. Mas seu corpo e sua mente estavam esgotados por uma década
de guerras. Em 324 a.C., o espírito combalido do macedônio recebeu
um golpe duro: Heféstion, seu amigo mais íntimo (e, segundo alguns,
seu amante), morreu por excesso de bebida. O rei chorou sobre o
cadáver do companheiro e resolveu afogar as mágoas de seu jeito
favorito: marchou contra a tribo dos cosseanos e ordenou que toda a
população masculina fosse passada no fio da espada.
Com
a alma envenenada pela solidão e pela desconfiança, o homem mais
poderoso do mundo deixou-se derrotar pelo vinho. Seus banquetes
estendiam-se noite adentro. Numa dessas ocasiões, segundo Plutarco,
41 convivas morreram de tanto beber. Com a saúde destroçada,
Alexandre foi dominado por fantasias supersticiosas e começou a ver
presságios de sua própria morte por todos os lados.
Em
323 a.C., na Babilônia, os presságios se confirmaram. Após um dia
e uma noite de bebedeira, o imperador caiu de cama, ardendo em febre.
No dia 10 de junho, ao pôr-do-sol, Alexandre, o Grande, estava
morto. Para alguns, a causa foi a bebida; para outros, uma doença
não diagnosticada, como malária (pesquisadores atuais cogitam a
hipótese de ter sido sífilis). Há quem fale em envenenamento.
Alexandre ainda não tinha 33 anos.
O
rei não deixou herdeiros – e quando, no leito de morte,
perguntaram-lhe a quem legaria o trono, ele murmurou: “Ao mais
forte”. Enquanto os soldados pranteavam o grande líder, seus
generais já se batiam pela soberania. Em meio a uma profusão de
assassinatos, lutas e traições, o sonho de um império universal
chegava ao fim.
A
herança
A
partir de 321 a.C., os domínios de Alexandre foram divididos entre
seus oficiais: Seleuco apoderou-se da Ásia Ocidental, Antígono
reinou sobre a Macedônia e Ptolomeu fundou uma dinastia no Egito,
cuja herdeira mais famosa foi a rainha Cleópatra. O gigantesco
império fragmentou-se em pedaços que acabaram sendo subjugados
pelos romanos, cerca de dois séculos depois. Alguns detratores de
Alexandre chegaram a negar sua contribuição para a história – um
texto anônimo afirma que “nada do que ele fez permaneceu, exceto
pelas pessoas que matou, e essas continuam mortas”.
A
verdade, no entanto, é que as conquistas macedônicas, motivadas em
grande parte pela ambição e pelo orgulho de um único homem,
tiveram conseqüências tão vastas e profundas que deram início a
um novo período histórico – conhecido como “época
helenística”. Em sua passagem pela Ásia e pela África, Alexandre
fundou cidades, estabeleceu rotas de comércio e abriu as portas do
mundo para a cultura helênica. Gregos passaram a migrar para o
Oriente e metrópoles floresceram, como Pérgamo, Antióquia e
Alexandria do Egito. Nas regiões mais remotas, governantes
cercavam-se de filósofos, historiadores, geógrafos, pintores e
escultores, ajudando a criar novos estilos artísticos e dando início
a um período de curiosidade intelectual e avanço científico.
Para
o classicista Marshall, a helenização do mundo antigo pode ser
interpretada como a primeira globalização da história. “Alexandre
foi o primeiro a realizar um projeto de unificação dirigida,
planificada, deliberada. Com a fundação de cidades gregas por todo
o Oriente, ele estabeleceu focos de irradiação da cultura
clássica.”
O
período foi marcado por um intenso diálogo entre civilizações. O
fascínio das culturas orientais logo começou a agir sobre o
helenismo, transformando o espírito dos dominadores. Deuses como
Ísis e Serápis, vindos do Egito, passaram a ser adorados pelos
gregos. Ao redor do Mediterrâneo, fiéis eram iniciados em novos
cultos, que prometiam salvação individual e imortalidade para a
alma. Surgia, assim, o caldo heterogêneo no qual nasceria o
cristianismo. “Os conquistadores gregos e macedônios passaram a
interagir com as elites e as populações das terras dominadas, e o
resultado foi uma experiência de total encontro de culturas”, diz
a arqueóloga Maria Beatriz Borba Florenzano, do Museu de Arqueologia
e Etnologia da USP.
Embora
Alexandre tenha inaugurado uma era de tanto florescimento, seria
ingênuo imaginar que o objetivo de seus atos fosse a fraternidade
universal ou o bem das nações. Como escreveu Burn, “a idéia de
que a ambição e o desejo de dominar são motivos indignos só
surgiria na Europa sob influência do cristianismo”. Alexandre
viveu na certeza de que a dominação em larga escala era o único
alvo digno de seus talentos. E foi seguindo a implacável lógica da
conquista que ele escreveu seu nome, em letras de fogo e sangue, na
história da humanidade.
Os imbatíveis macedônios
Embora
os macedônios falassem um dialeto semelhante ao da Grécia e
compartilhassem muitos elementos de sua cultura, alguns gregos
consideravam seus parentes do norte como uma nação semi-bárbara.
Criticavam, entre outras coisas, o hábito macedônico de beber em
excesso. Filipe II é descrito como um beberrão, e Alexandre, que
em sua adolescência evitava os excessos, acabou seguindo os
passos do pai. Contudo, os reis macedônios sempre se orgulharam
de trazer sangue grego nas veias – e, durante seus reinados,
Filipe e Alexandre fizeram o possível para serem aceitos como
legítimos representantes do mundo helênico. Mesmo os maiores
críticos dos macedônios tinham de concordar numa coisa: o mundo
nunca vira guerreiros tão eficazes e disciplinados. Filipe, que
apesar da boemia era um estrategista brilhante, transformou o
exército do país na maior máquina de guerra de seu tempo.
Alexandre aperfeiçoou as táticas do pai. A grande inovação do
exército macedônico foi o uso combinado de diferentes tipos de
armas e unidades.
Amigos
do rei
A
cavalaria pesada, formada por guerreiros aristocratas e liderada
pelo rei em pessoa, era responsável pelas investidas mais
violentas. Dentre os cavaleiros, destacava-se o regimento dos
companheiros do rei (hetairoi), tropa de choque que reunia alguns
dos oficiais mais próximos de Alexandre
Lanção
A
célebre falange macedônica era composta por soldados a pé,
protegidos por capacetes e escudos circulares. Para o ataque,
usavam a sarissa, uma lança de 6 metros de comprimento, o terror
dos inimigos
Elite
Os
hypaspistai (“portadores de escudos”) compunham uma tropa de
elite que protegia o flanco direito da falange. Conhecidos como
Escudos Prateados, esses guerreiros eram os que ficavam mais
expostos à violência da batalha
Entre dois cerébros
Alexandre
passou a maior parte da vida em campos de batalha. Mas sua
biografia cruzou com a de personagens mais ligados ao mundo das
idéias do que ao das batalhas. Os dois intelectuais mais famosos
que estiveram no caminho do rei guerreiro são o mestre
Aristóteles e o rival Demóstenes.
Aristóteles
(384-322 a.C.) foi escolhido pelo rei Filipe para ser tutor de
Alexandre. Dono de uma erudição extraordinária, o discípulo
mais famoso de Platão escreveu tratados sobre temas tão diversos
quanto política, ética, lógica, literatura e metafísica,
tornando-se talvez a figura mais influente na história do
pensamento ocidental. A amizade entre o filósofo e o conquistador
chegou ao fim quando Alexandre aprisionou o historiador
Calístenes, primo de seu antigo mestre.
Já
o advogado e estadista ateniense Demóstenes (igualmente nascido
em 384 a.C. e morto em 322 a.C.) foi o mais virulento inimigo do
rei da Macedônia. Considerado o maior orador da Grécia antiga,
Demóstenes fez uma série de discursos nos quais conclamou os
atenienses a se unirem contra Filipe e assim preservarem a
autonomia das cidades-estado. Os discursos ganharam o nome de
“filípicas” – termo que até hoje designa um enfurecido
ataque verbal. As palavras de Demóstenes surtiram efeito, e
Atenas e Tebas formaram uma aliança, derrotada pela Macedônia na
batalha de Queronéia, em 338 a.C. Após a morte de Alexandre,
Demóstenes foi perseguido pelos macedônios e procurou asilo em
um templo. Ao perceber que não escaparia, suicidou-se com veneno.
O mundo a seus pésA campanha de dezanos levou Alexandre àsportas da Índia
1.
Pela, 356 a.C.
Nasce
Alexandre, filho de Filipe II, rei da Macedônia, e de sua esposa
Olímpias. Segundo Plutarco, o nascimento ocorreu no mesmo dia em
que o templo de Ártemis, em Éfeso, ardeu em chamas
2.
Tebas, 335 a.C.
Já
entronado, Alexandre enfrenta rebeliões e ordena que Tebas seja
destruída e seus habitantes, massacrados. O rei se arrependeu
depois e, daí para a frente, jamais negaria o pedido de um tebano
3.
Rio Granico, 334 a.C.
Às
margens do rio Granico, ocorre a primeira batalha entre macedônios
e persas. No ano seguinte, Alexandre derrota o exército inimigo
na batalha de Issus. Dario III, rei dos persas, consegue escapar
4.
Alexandria, 331 a.C.
No
Egito, o macedônio funda Alexandria, em um ponto estratégico
próximo ao delta do Nilo. A cidade irá tornar-se uma das
metrópoles mais importantes do mundo helenístico
5.
Babilônia, 331 a.C.
Alexandre
retorna à Ásia e volta a derrotar Dario em Gaugamela, próximo à
aldeia de Arbela. O conquistador penetra triunfalmente na cidade
de Babilônia, cujo povo sempre detestou o domínio persa
6.
Persépolis, 330 a.C.
Os
macedônios invadem a principal capital persa, uma das cidades
mais grandiosas e opulentas da Ásia. Durante uma noite de
bebedeira, Alexandre ordena que os magníficos palácios sejam
incendiados
7.
Bukhara, 328 a.C.
Após
o assassinato de Dario III, Alexandre convence o exército a
partir no encalço do assassino, Bessus. Os macedônios marcham
para noroeste, capturam o criminoso perto de Bukhara e o executam
8.
Fronteira da Índia, 327 a.C.
Alexandre
chega ao lugar que Aristóteles considerava o fim do mundo
habitado. No ano seguinte, às margens do rio Hífaso, as tropas
recusam-se a seguir adiante
9.
Deserto de Gedrósia, 325 a.C.
No
caminho de volta, as tropas atravessam o pavoroso deserto de
Gedrósia, onde o calor causou mais mortes que qualquer exército
inimigo. Estima-se que, dos 60 mil soldados que entraram, apenas
15 mil saíram
10.
Babilônia, 323 a.C.
Alexandre,
o Grande, estabelece-se na Babilônia, tornada a capital de seu
imenso império. Lá ele passaria seus últimos e amargurados dias
Um nome, 17 cidades, 3 continentes
Alexandrópolis,
no vale do rio Styrmon, foi a primeira cidade a ganhar o nome do
conquistador. Na época, Alexandre tinha apenas 16 anos e combatia
uma rebelião na Trácia. Ao longo de suas conquistas, ele
fundaria em torno de 70 cidades, sendo que pelo menos 17 levariam
seu nome. Alexandretta foi criada próximo à planície de Issus,
onde Alexandre derrotou Dario pela primeira vez. Hoje chama-se
Iskenderun e fica em território turco. Diversas Alexandrias foram
fundadas na Ásia Central, como Alexandria Hereion (atual Herat) e
Alexandria Aracósia (hoje Kandahar), no atual Afeganistão, e
Alexandria Margiane (Merv, no Turcomenistão).
Dentre
as cidades que levaram o nome do macedônio, Alexandria Escate
(atual Leninabad, no Tadjiquistão) foi a mais longínqua. Fundada
perto do rio Jaxartes, servia como ponto estratégico na fronteira
nordeste do império. A cidade foi povoada por veteranos
macedônios que já não estavam aptos para a guerra – os
combates duraram tantos anos que houve tempo até para que alguns
soldados se aposentassem. Alexandre não fazia apenas
auto-homenagens nos nomes das cidade que fundava. Bucefália, na
Índia, foi batizada em memória de Bucéfalo, o cavalo do rei.
Do homem ao mito
Alexandre
viveu num mundo em que a imagem do herói era onipresente e sempre
demonstrou o desejo de igualar-se às figuras da mitologia. Se,
por um lado, ele desejava sinceramente superar os heróis das
lendas, é inegável que o poder do mito funcionava como uma
estratégia de dominação. O macedônio soube transformar sua
imagem em um instrumento de propaganda, convencendo seus súditos
de que era superior aos outros homens. Esse “marketing”
funcionou tão bem que, durante séculos, Alexandre foi adotado
como modelo por vários governantes, incluindo os imperadores
romanos e monarcas medievais como o germânico Oto III e o franco
Carlos Magno.
A
imagem de Alexandre fascinou também a imaginação popular e deu
origem a um universo de lendas fabulosas. Nas páginas do Romance
de Alexandre, escrito no século 2 ou 3, o conquistador enfrenta
gigantes antropófagos, encontra leões de três olhos, descobre a
fonte da imortalidade e tenta viajar ao fundo do oceano no
interior de um jarro; seu exército atravessa rios congelados em
pleno Oriente Médio e alcança uma terra onde o Sol nunca nasce.
Essas narrativas fantásticas tiveram versões em sírio, grego,
armênio e latim, atraíram a fantasia dos poetas árabes e
persas, espalharam-se até a Etiópia e a Mongólia e foram
trazidas de volta à Europa pelos cruzados. Nas lendas egípcias,
Alexandre é filho de Nectanebo III, o último faraó. Entre os
maometanos, ele é retratado como um profeta que combate os
ídolos. E os monges cristãos o transformaram num santo e num
asceta.
O
mito é tão forte que chegou a nós. Alexandre já foi
interpretado por Richard Burton, em um filme de 1956, e por
William Shatner, no piloto de uma série televisiva, em 1964.
Agora é a vez de Colin Farrell – astro da superprodução de
Oliver Stone – e de Leonardo di Caprio – que deve fazer o
mesmo papel num filme de Baz Luhrmann, o diretor de Romeu e
Julieta e Moulin Rouge, com estréia prevista para o ano que vem.
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Matéria
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