Mentira: O grande mal
Como a mentira quebrou o mundo
Existem
pessoas capazes de mentir em grande escala - a ponto de detonar a
maior crise em décadas. Foi o que aconteceu entre 2004 e 2007. Nesse
período, funcionários de grandes bancos de Wall Street mentiram
sistematicamente para seus clientes, que eram induzidos a investir em
títulos podres. Os analistas do banco Morgan Stanley, por exemplo,
vendiam investimentos imobiliários de alto risco - mesmo já sabendo
que haveria calote, e os investidores iriam perder seu dinheiro. Isso
ficou provado por e-mails em que admitiam a manobra e faziam piadas,
se referindo aos títulos como scaaaarryyyyy (assustadores) e crap
(lixo). Continuaram mentindo até desencadear a crise imobiliária
dos EUA e o crash de 2008, do qual até hoje a economia global não
se recuperou. Nenhum dos mentirosos foi preso - porque o governo
americano optou por não processá-los.
Falar
em política e mentira, aliás, é chover no molhado. Do ex-deputado
federal João Alves, que disse ter ganho 200 vezes na loteria para
justificar a origem de dinheiro ilícito ("Deus me ajudou"),
ao ex-presidente Richard Nixon, ao negar envolvimento no caso
Watergate ("não sou trapaceiro"), os políticos são
famosos pela cara de pau. Mas, ao contrário do que se pensa, eles
talvez não sejam os campeões da mentira. "As corporações
também buscam construir sua reputação usando argumentos similares.
A diferença é que, como os políticos são muito expostos na mídia,
fica parecendo que eles mentem mais", diz Malco Camargos,
professor de ciências sociais da PUC-Minas.
Nas
empresas, a forma de mentira mais comum é a omissão. Nos anos 1970,
o Ford Pinto se tornou um dos carros mais populares dos EUA. Ele era
bom, exceto por um detalhe: o tanque de gasolina ficava entre o eixo
traseiro e o para-choque, exposto a parafusos que podiam perfurá-lo
em caso de batida. A Ford sabia que bastava colocar uma simples peça
de plástico, de US$ 11, para evitar explosões. Mas preferiu vender
o carro assim mesmo.
Os
engenheiros calcularam que no máximo 180 pessoas poderiam morrer em
acidentes por causa daquilo, e sairia mais barato pagar as
indenizações do que colocar a peça em todos os carros. Dito e
feito. Morreu gente, e os casos foram parar na Justiça dos EUA - que
teve acesso ao relatório com a conta macabra. Não foi o único caso
do tipo. Na década de 1960, a GM vendeu um carro, o Corvair, cuja
suspensão usava peças baratas - e sabidamente perigosas. O assunto
foi descrito no livro Unsafe at any Speed ("Inseguro em qualquer
velocidade", sem edição em português), do advogado americano
Ralph Nader. A GM tentou desacreditar Nader. Mas acabou tirando o
carro do mercado.
Casos
assim podem parecer absurdos, coisa de outro tempo. Mas até hoje a
propaganda visita, de vez em quando, a fronteira entre verdade e
inverdade. Porque temos certa tolerância à cascata. De certa forma,
queremos achar que o nosso celular é o melhor do mercado, acreditar
que o suco que tomamos é 100% natural ou que a atriz da novela usa
mesmo o xampu que anuncia. Se você tem mais de 30 anos, talvez se
lembre do slogan "Danoninho vale por um bifinho". Não
vale, claro. Mas exageros assim continuam fazendo nossa cabeça -
embora alguns sejam desmascarados.
Em
2010, a Comissão Federal de Comércio dos EUA (FTC) acusou a Danone
de exagerar na capacidade do iogurte Activia de regular a digestão.
A empresa aceitou retirar o termo "clinicamente provado"
dos rótulos e propagandas, além de pagar US$ 21 milhões de multa.
Caso parecido foi o de um tênis da New Balance, que prometia queimar
mais calorias graças a uma revolucionária (e secreta) tecnologia de
ativação muscular. Em 2011, consumidores entraram na Justiça
dizendo que era propaganda enganosa, com base em estudos que não
detectaram nenhum benefício. O fabricante fez acordo e pagou
indenizações.
Ok,
você pode desconfiar da publicidade e dos políticos. Mas e do seu
médico? Porque os médicos mentem, sim. E não é pouco. Numa
pesquisa feita em 2012 pela Escola de Medicina de Harvard, 34% dos
doutores disseram que acham aceitável omitir erros graves dos
pacientes. E 20% admitiram ter ocultado um erro médico, cometido no
ano anterior, por medo de levar processo. Já que estamos falando de
saúde: você já deve ter ouvido que remédio é caro porque
desenvolvê-lo é caro. É uma meia-verdade.
O
desenvolvimento é caro mesmo - é preciso testar de 5 a 10 mil
substâncias para chegar a uma nova droga. Ocorre que os laboratórios
gastam muito mais em marketing dos remédios do que em pesquisa
científica. Em 2013, por exemplo, a gigante Johnson & Johnson,
maior empresa farmacêutica do mundo, gastou US$ 17,5 bilhões em
marketing e promoção de vendas - o dobro do que investiu em
pesquisa científica (US$ 8,2 bilhões), segundo um levantamento da
empresa de pesquisas Global Data. Todos os outros grandes
laboratórios fazem a mesma coisa.
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