Com
o uso de cada vez mais disseminado de antibióticos, em larga escala
e muitas vezes de forma incorreta, aumentou-se a pressão para que
cada vez mais germes com mecanismos de resistência fossem gerados.
Em um mundo globalizado, em que milhares de pessoas viajam todos os
dias de um canto a outro do mundo, é impossível não espalhar esses
organismos. Veja, a seguir, alguns fatos importantes para entender o
fenômeno e se proteger, na medida do possível:
1.
Superbactéria não é super-herói, é sobrevivente
Quando
se fala em "superbactéria", é comum pensar em um micróbio
que ficou mais forte, capaz de causar uma doença mais grave nas
supostas vítimas. Trata-se apenas de um germe que desenvolveu um
mecanismo de sobrevivência e se tornou imune às armas criadas para
combatê-lo.
"A
capacidade de causar doença não aumenta; o tratamento é que fica
complicado", afirma Jorge Luiz Mello Sampaio, médico assessor
para microbiologia e parasitologia do Fleury Medicina e Saúde, que
não gosta muito do termo "superbactéria".
2.
Não existe apenas um, mas diversos mecanismos de defesa
Os
micro-organismos podem contar com várias estratégias para se
defender das substâncias utilizadas para combatê-los. "O mais
comum é a bactéria produzir enzimas que 'digerem' os
antibacterianos. Mas pode ocorrer o espessamento da parede celular da
bactéria (o que impede que o antibacteriano penetre na célula);
pode ocorrer uma alteração do local por onde o antibacteriano se
liga (então o fármaco não tem como agir sobre a bactéria); e,
algumas vezes, a bactéria ativa uma 'bomba' que joga o antibiótico
para fora da célula e impede que o fármaco atue", explica o
infectologista Plinio Trabasso, professor da Faculdade de Ciências
Médicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Uma
vez que uma única bactéria se torna resistente ao antibiótico, é
muito fácil transmitir esse "poder" às que estão ao
redor. Pense em uma colônia de mil germes no seu intestino. Ao tomar
um antibiótico, você pode combater 998 delas e, ao sentir que já
está melhor, abandona o tratamento um pouco antes. "Essas duas
bactérias 'conversam' com as outras, transmitindo material
genético", ilustra Marcos Oliveira de Carvalho, doutor em
genética e biologia molecular e sócio da Neoprospecta, empresa que
auxilia hospitais no controle de surtos.
Essa
transferência, chamada pelos especialistas de horizontal, não
ocorre somente no "sexo" entre as bactérias (sim, elas
fazem algo parecido com isso), mas, também, quando um germe assimila
o material genético que sobrou no ambiente após a morte de um
"colega". Daí para o número
de organismos resistentes se multiplicar é um pulo: bactérias
comuns como a E.coli, por exemplo, têm a capacidade de se replicar a
cada 20 minutos, só para você ter uma ideia do problema.
3.
KPC não é o nome de uma superbactéria
No
Brasil, diversos casos de KPC (Klebsiella pneumoniae carbapenemase)
foram responsáveis, recentemente, pela interdição de algumas alas
de hospitais. A sigla, na verdade, refere-se a uma enzima produzida
por algumas bactérias para degradar certos antibióticos. "O
mais correto seria usarmos a sigla ERC, de 'enterobactérias
(presentes no intestino) resistentes a carbapenêmicos' (um tipo de
antimicrobiano)", ensina o médico Jorge Luiz Mello Sampaio.
"A
KPC ficou em evidência porque ela está presente no país, mas
existem outras que podem se tornar um problema tão grave quanto",
acredita Marcos Oliveira de Carvalho, da Neoprospecta. Uma delas é a
NDM (New delhi metallo-B-lactamase-1), enzima que foi identificada em
2009, na Índia, e já foi encontrada
em enterococos de hospitais de Porto Alegre em 2013.
4.
Elas existem antes mesmo da invenção dos antibióticos
A
afirmação acima é talvez uma das mais surpreendentes em relação
às superbactérias, visto que os antibióticos têm sido apontados
como os principais "vilões" do problema. "Há muito
tempo as bactérias vivem em uma espécie de guerra química contra
os fungos: ambos competem para crescer em determinado local",
conta Marcos Carvalho. Vale lembrar que a penicilina, primeiro
antibiótico do mundo, foi desenvolvido a partir do fungo Penicillium
chrysogenum. Para vencer esse inimigo embolorado é que as bactérias
evoluíram ao longo de milênios, na Terra.
O
especialista cita como exemplo a descoberta recente de bactérias
resistentes a antibióticos em uma tribo ianomâmi na Amazônia
venezuelana. Segundo pesquisa publicada por cientistas
norte-americanos no periódico "Science", o grupo vive
isoladamente e nunca teve contato com antibióticos, nem mesmo por
meio da carne ou da água.
5.
O uso de antibióticos de forma indiscriminada contribui para o
surgimento de novas superbactérias
O
fato de fungos e bactérias brigarem há milênios não significa que
os antibióticos não sejam os vilões da história. "O uso de
antimicrobianos acarreta, de forma inexorável, a possibilidade da
ocorrência da resistência das bactérias a esses antimicrobianos.
Entretanto o uso incorreto dos antimicrobianos potencializa este
risco", reitera o infectologista Plinio Trabasso, da Unicamp.
Desde
2010, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tem
restringido a comercialização de antibióticos, justamente para
tentar conter o surgimento de novos casos de bactérias
multirresistentes. Antes disso, não era difícil comprar
antibióticos por conta própria ou receitar por telefone, sem nem
examinar o paciente.
Ainda
que esse tipo de medicamento tenha sido essencial para combater
doenças graves e aumentar a longevidade das populações, está cada
vez mais claro que antibiótico é para ser consumido somente em caso
de necessidade. E, nesse caso, é fundamental usar como manda a
prescrição, ou seja, no período indicado pelo médico, sem
esquecer nenhuma dose. "O ideal é usar o mínimo possível e
corretamente", reforça Marcos Carvalho. É preciso lembrar,
porém, que os humanos não são os únicos animais a consumir
antibióticos...
6.
A produção de animais para consumo alimentar é uma das principais
fontes geradoras de superbactérias
"Usa-se
uma quantidade excessiva de antibióticos como promotores de
crescimento na pecuária e como defensivos agrícolas. Toda esta
carga de antimicrobianos acaba sendo dispersa no meio ambiente e
exerce pressão seletiva sobre as bactérias aí presentes",
relata o infectologista da Unicamp Plinio Trabasso.
Ainda
que uma pessoa cozinhe a carne corretamente, ela pode se contaminar
ao manipular a peça crua (é por isso que existe uma série de
regras de vigilância sanitária nos restaurantes, por exemplo). Além
disso, quem trabalha nas fazendas de produção de carne ou açougues
pode contrair e espalhar bactérias multirresistentes sem desenvolver
qualquer sintoma.
7.
Algumas pessoas carregam no corpo superbactérias sem que causem
doenças
No
ano passado, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) chegou a
divulgar um alerta para que cidadãos fluminenses não frequentassem
as praias consideradas impróprias pelos testes de balneabilidade, o
que incluía as do Flamengo e de Botafogo, na zona sul do Rio de
Janeiro. Segundo estudos, havia superbactérias nessas praias.
Em
outras palavras: muita gente visita parentes internados, não lava as
mãos e depois utiliza o transporte público, levando bactérias de
todo o tipo para todos os lugares -- sem contar
a falta de tratamento de esgoto em diversas partes do país. A
maioria das pessoas não irá desenvolver nenhuma infecção, a não
ser que esteja com o sistema imunológico comprometido.
8.
Pacientes hospitalares correm maior risco de contrair infecções por
superbactérias
Nos
hospitais, o risco de contrair um micro-organismo resistente é maior
por vários motivos: o local é relativamente pequeno, fechado, reúne
pessoas que estão com a saúde debilitada e que utilizam, com
frequência, antibióticos. As bactérias ficam alojadas nas paredes
e nos instrumentos, por isso é importante que haja uma desinfecção
completa depois que o paciente sai, assim como é imprescindível que
os profissionais de saúde lavem as mãos com frequência, conforme
explicam os especialistas.
Quando
um novo paciente é internado e desenvolve uma infecção, em geral
os médicos são obrigados a utilizar antibióticos de amplo
espectro, pois as culturas para determinar a quais substâncias a
bactéria em questão é sensível levam 48 ou 72 horas para se
desenvolver. É por isso que novas tecnologias em microbiologia são
importantes: para acelerar o diagnóstico e permitir uma mudança de
conduta em tempo hábil. A tentativa de tratamento com outros
antibióticos, que não os desenvolvidos para aquele grupo de
bactérias específico, nem sempre é bem-sucedida.
9.
O número de novos antibióticos diminui a cada ano, enquanto o de
superbactérias só aumenta
No
ano passado, os infectologistas comemoraram a descoberta de uma nova
classe de antibióticos, algo que não acontecia desde 1987. Batizada
de teixobactina, a nova substância foi criada a partir de um método
que extrai drogas de bactérias do solo, um ambiente promissor para a
ciência -- cultivar micro-organismos em laboratório é um grande
limitador, já que 99% deles não sobrevivem em condições
artificiais. A
nova droga ainda é uma promessa, já que só foi testada em
camundongos.
Venenos
e toxinas de animais têm sido outra aposta dos cientistas no combate
a germes resistentes. Peptídeos, ou seja, moléculas presentes
nessas substâncias, têm sido utilizados como modelo para o
desenvolvimento de novas drogas. É o caso da magainina, por exemplo,
proveniente da secreção da pele de um anfíbio africano.
Outra
forma de enfrentar o problema que vem sendo considerada, como informa
o sócio da Neoprospecta, é utilizar vírus que atacam somente
bactérias. A chamada fagoterapia foi bastante utilizada na antiga
União Soviética, durante a Guerra Fria, e agora voltou a ser
estudada como alternativa contra germes resistentes.
10.
A falta de um rígido controle e monitoramento de infecções
hospitalares pode levar ao aumento na taxa de infecção por
superbactérias
Nenhum
hospital, por melhor que seja, está imune aos micro-organismos
multirresistentes, mas estratégias de controle têm se mostrado
úteis para evitar surtos. A detecção de focos e a desinfecção
adequada (antes que as infecções ocorram), assim como regras
rígidas para garantir a correta lavagem das mãos entre os
profissionais de saúde, são medidas fundamentais.
Até
existem casos de resistência a produtos desinfetantes, mas, na
maioria das vezes, seu uso é suficiente para eliminar as bactérias
das superfícies -- informação que é útil também para quem não
trabalha na área da saúde. Já para higienizar as mãos, basta água
e sabão.
É
preciso lembrar de usar a torneira ao chegar em casa, depois de usar
o transporte público e, especialmente, após visitar um parente no
hospital. Outra recomendação: exigir que seu médico e outros
profissionais de saúde façam a higiene das mãos antes e depois de
examiná-lo.
Para você que perdeu a
reportagem sobre as superbactérias no fantástico do dia 13/12
abaixo deixamos o link para que você possa assistir:
http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2015/12/mau-uso-dos-antibioticos-esta-criando-superbacterias-invenciveis-diz-estudo.html
Comentários
Postar um comentário
È necessário evitarmos frases que contenham palavras de baixo calão,ofensas,xingamentos,racismo e/ou qualquer insinuação de apologia a drogas ou crimes.