POESIAS

Antônio Frederico de Castro Alves nasceu em Curralinho, hoje Castro Alves, na Bahia. Em, 1862, mudou-se para o Recife, com o objetivo de ingressar na Faculdade de Direito. Entusiasmado com as ideias liberais e abolicionistas dos acadêmicos da época, dedicou-se à poesia e ao desenho e começou a publicar seus versos na imprensa. Seu primeiro sucesso de público aconteceu com a divulgação de O Século, em 11 de agosto de 1865. Reunião de parte importante de sua produção lírica, Espumas Flutuantes, lançado em outubro de 1870, foi o único livro publicado em vida pelo poeta. Castro Alves morreu de tuberculose.


POEMA CONFIDÊNCIA:

Quando, Maria vês de minha fronte
Negra ideia voando no horizonte,
             As asas desdobrar,
Tristes segues então meu pensamento,
Como fita o barqueiro de Sorrento
As nuvens ao luar.

E tu me dizes, pálida inocente,
Derramando uma lágrima tremente,
             Como orvalho de dor:
Por que sofres? A selva tem odores,
O céu tem astros, os vergéis têm flores,
“Nossas almas o amor”.

Ai! tu vês nos teus sonhos de criança
A ave de amor que o ramo da esperança
               Traz no bico a voar;
E eu vejo um negro abutre que esvoaça,
Que co'as garras a púrpura espedaça
Do manto popular.

Tu vês onda a flor azul dos campos,
Donde os astros, errantes pirilampos,
               Se elevam para os céus;
E eu vejo a noite borbulhar das vagas
E a consciência é quem me aponta as plagas
Voltada para Deus.

Tua alma é como as veigas sorrentinas
Onde passam gemendo as cavatinas
               Cantadas ao luar.
A minha-eco do grito, que soluça,
Grito de toda dor que se debruça
Do lábio a soluçar.

É que eu escuto o sussurrar de ideias,
O marulho talvez das epopéias,
             Em torno aos mausoléus,
E me curvo no túm'lo das idades
-Crânios de pedra, cheios de verdades
E da sombra de Deus.

E nessas horas julgo que o passado
Dos túmulos a meio levantado
             Me diz na solidão:
Que és tu, poeta? A lâmpada da orgia,
Ou a estrela de luz, que os povos guia
À nova redenção?”

Ó Maria, mal sabes o fadário
Que o moço bardo arrasta solitário
              Na impotência da dor.
Quando vê que debalde à liberdade
Abriu sua alma-urna da verdade
Da esperança e do amor!...

Quando vê que uma lúgubre coorte
Contra a estátua (sagrada pela morte)
              Do grande imperador,
Hipócrita, amotina a populaça,
Que morde o bronze, como um cão de caça
No seu louco furor!...

Sem poder esmagar a iniquidade
Que tem na boca sempre a liberdade,
              Nada no coração;
Que ri da dor cruel de mil escravos,
-Hiena, que do túmulo dos bravos,
Morde a reputação!...

Sim... quando vejo, ó Deus, que o sacerdote
As espáduas fustiga com o chicote
              Ao cativo infeliz;
Que o pecador das almas já esquece
Das santas pescarias e adormece
Junto da meretriz...

Que o apóstolo, o símplice romeiro,
Sem bolsa, sem sandálias, sem dinheiro,
               Pobre como Jesus,
Que mendigava outrora à caridade
Pagando o pão com o pão da eternidade,
Pagando o amor com a luz,

Agora adora a escravidão por filha,
Amolando nas páginas da Bíblia
              O cutelo do algoz...
Sinto não ter um raio em casa verso
Para escrever na fronte do perverso:
“Maldição sobre vós!”

Maldição sobre vós, tribuno falso!
Rei, que julgais que o negro cadafalso
              É dos tronos o irmão!
Bardo, que a lira prostituis na orgia
-Eunuco incensador da tirania-
Sobre ti maldição!

Maldição sobre ti, rico devasso,
Que da música, ao lânguido compasso,
             Embriagado não vês
A criança faminta que na rua
Abraça u'a mulher pálida e nua,
Tua amante... talvez!...

Maldição!... Mas, que importa?...Ela espedaça
Acaso a flor olente que se enlaça
               Nas c'roas festivais?
Nodoa a veste rica ao sibarita?
Que importam cantos, se é mais alta a grita
Das loucas bacanais?

Oh! por isso, Maria, vês, me curvo
Na face do presente escuro e turvo
              E interrogo o porvir;
Ou levantando a voz por sobre os montes,-
Liberdade”, pergunto aos horizontes,
Quando enfim hás de vir?”

Por isso, quando vês as noites belas,
Onde voa a poeira das estrelas
              E das constelações,
Eu fito o abismo que a meus pés fermenta,
E onde, como santelmos da tormenta,
Fulgem revoluções!...


                                                                                Recife, outubro de 1865.

 
Gregório de Matos Guerra nasceu em Salvador (BA) e morreu em Recife (PE). Estudou no colégio dos jesuítas e formou-se em Direito em Coimbra (Portugal). Recebeu o apelido de Boca do Inferno, graças a sua irreverente obra satírica.
Gregório de Matos firmou-se como o primeiro poeta brasileiro: cultivou a poesia lírica, satírica, erótica e religiosa. O que se conhece de sua obra é fruto de inúmeras pesquisas, pois Gregório não publicou seus poemas em vida. Por essa razão, há dúvidas quanto à autenticidade de muitos textos que lhe são atribuídos.

JULGA PRUDENTE E DISCRETAMENTE POR CULPADOS EM UMA GERAL FOME QUE HOUVE NESTA CIDADE NO ANO DE 1691 PELO DESGOVERNO.
Toda a cidade derrota
Esta fome universal,
E uns dão a culpa total
À câmara, outros à frota.
A frota tudo abarrota
Dentro nos escotilhões,
A carne, o peixe, os feijões;
E se a câmara olha e ri,
Porque anda farta até aqui,
É cousa que me não toca.
Ponto em boca!
Se dizem que o marinheiro
Nos precede a toda a lei,
Porque é serviço d'el rei,
Concedo que está primeiro;
Mas tenho por mais inteiro
O conselho que reparte
Com igual mão e igual arte
Por todos jantar e ceia:
Mas frota com tripa cheia,
E povo com pança oca?
Ponto em boca!
A fome me tem já mudo,
Que é muda a boca esfaimada
Mas se a frota não traz nada,
Por que razão leva tudo?
Que o povo por ser sisudo
Largue o ouro, largue a prata
A uma frota patarata,
Que entrando com vela cheia,
O lastro, que traz de areia,
Por lastro de açúcar troca!
Ponto em boca!
Se quando vem para cá
Nenhum frete vem ganhar,
Quando para lá tornar
O mesmo não ganhará:
Quem o açúcar lhe dá
Perde a caixa e paga o frete,
Porque o ano não promete
No negócio que o perder:
O frete por se dever,
A caixa porque se choca.
Ponto em boca!
Ele tanto em seu abrigo,
E o povo todo faminto
Ele chora, e eu não minto,
Se chorando vo-lo digo:
Tem-me cortado o embigo
Este nosso General,
Por isso de tanto mal
Lhe não ponho alguma culpa;
Mas se merece desculpa
O respeito a que provoca,
Ponto em boca!
Com justiça pois me torno
À Câmara só senhora,
Que pois me trespassa agora,
Agora leve o retorno:
Praza a Deus que o caldo morno,
Que a mim me fazem cear
Da má vaca do jantar
Por falta de bom pescado,
Lhes seja em cristéis lançado;
Mas se a saúde lhes toca:
Ponto em boca!

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