Privatização, terceirização e parcerias
Privatização,
terceirização e parceria nos serviços públicos: conceitos e
tendências
Longe
de esgotar o assunto, o artigo Privatização, Terceirização e
Parceria nos Serviços Públicos: Conceitos e Tendências, propõe
alguns pontos de reflexão à movimentos sociais e cidadãos em
geral. Nos últimos anos, o tema da chamada “privatização” e
“terceirização” dos serviços públicos vem despertando um
forte debate entre os atores políticos e os pesquisadores da
universidade, mais particularmente sobre o papel do Estado e das
chamadas “organizações sociais” na oferta e execução das
políticas públicas. Em geral, esse tema gera muitas imprecisões e
confusões quanto aos seus reais significados, ainda mais quando
consideramos que sempre existiu uma relação entre a administração
pública e entidades privadas por meio dos contratos de “parceria”.
Primeiramente,
devemos tomar o significado original desses conceitos. O que está
sendo “privatizado”, “terceirizado” e é objeto de
“parceria”?
Privatização
vem do termo privado, logo faz referência à dimensão não-pública
e não-estatal de uma sociedade, aos interesses de ordem particular
voltadas (ou não) ao lucro. Logo, esse termo significa processos de
tornar “privado” propriedades e/ou serviços que antes possuíam
caráter estatal ou público, geralmente por meio da venda de
patrimônio público/estatal a agentes privados. Aqui vale uma rápida
distinção desses dois termos. Estatal é tudo aquilo regido pelo
direito público e pelo Estatuto do Servidor Público, conforme os
princípios da transparência, da legalidade, da impessoalidade, da
moralidade, da publicidade e da eficiência. Público
é tudo aquilo que está à disposição dos cidadãos, mas que pode
ser regulado por meio do direito privado, seguindo os princípios
acima citados mas com uma legislação mais flexível, pois diz
respeito a instituições não-estatais, não estatutárias.
Terceirização
vem de terceiros, portanto faz referência à execução de
atividades e serviços prestados por algumas pessoas ou organizações
para outras instituições. Tornou-se um termo muito usado no final
do século XX entre administradores, públicos e privados, pois se
referia precisamente à subcontratação de serviços considerados
“meio” e que não constituíam a atividade “fim”. Assim, em
uma montadora de carros por exemplo, o serviço de limpeza era
terceirizado (subcontratado) a uma empresa especializada nesse
função, enquanto a atividade “fim” ou principal (a montagem do
carro) permanecia com os trabalhadores diretamente ligados à
empresa.
Temos,
por fim, o conceito de parceria.
Esse termo faz referência a algum tipo de relação entre “iguais”,
pautado em contratos com prazos e responsabilidades mútuas, portanto
que devem ser respeitados por ambos. Vemos desde já que não se
trata de uma relação de contratação meramente comercial, como a
terceirização, nem de transferência completa de patrimônios e
responsabilidades, como no caso da privatização. Em geral não cria
nas partes envolvidas nenhuma relação de lucratividade, sendo mais
comum trocas de experiência ou de execução de atividades por
preços de custo. De todo modo, estamos falando aqui de relações de
curta e média duração, com os prazos determinados no contrato
desde o início do processo.
Serviços
Públicos e Privatização
O
governo federal propõe ao Congresso Nacional a criação de duas
qualificações para tais atividades: as Organizações Sociais (OS)
e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).
A primeira passou a existir de fato após a lei 9.637/98, que
possibilitou ao Estado “qualificar” uma organização como OS, e
poderia assim assumir a execução de atividades não-exclusivas, por
meio de contratos de gestão. As OSCIP passaram a existir após a lei
9.790/99, que estabeleceu o Termo de Parceria como instrumento
regulador, e instituiu que os conselhos de políticas públicas
deveriam acompanhar e fiscalizar seus serviços. Até aquele momento,
o poder público utilizava duas modalidades para se relacionar com
entes privados – os contratos e os convênios. Enquanto esses são
eram celebrados principalmente com entidades da área de Assistência
Social, os primeiros exigem algum tipo de licitação. Portanto, as
leis da OS e da OSCIP procuram criar formas mais flexíveis para
completar a legislação que regula esse relacionamento. As áreas de
atuação de uma OSCIP são assistência social, cultura, educação,
saúde, segurança alimentar e nutricional, meio ambiente,
voluntariado, desenvolvimento econômico e social e combate à
pobreza. Tanto elas quanto as organizações sociais seriam
instituições qualificadas para realizar as tais atividades
não-exclusivas do Estado. A principal diferença entre “termo de
parceria” da OSCIP e “contrato de gestão” da OS é que nesse
último o Estado, que qualificou uma instituição como OS, pode
celebrar o contrato com os chamados próprios – autarquias,
fundações e serviços de administração direta, não só com sua
infra-estrutura mas eventualmente com recursos humanos. Esse é um
dos pontos mais polêmicos da celebração desse tipo de contrato.
Outro instrumento utilizado pelo poder público é a Parceria
Público-Privado (PPP), que envolve a concessão de serviços por
tempo determinado, inclusive com cobrança aos usuários, para
viabilizar obras de infra-estrutura que exigem muitos recursos
financeiros. Nesse caso também temos uma relação guiada pela busca
do lucro dos agentes privados, e os exemplos mais conhecidos são a
do Metropolitano de São Paulo (Metrô) e algumas modalidades de
concessão para exploração de pedágios em rodovias federais.
Tendências
e Perspectivas
É
possível notar que todas as esferas de governo (inclusive de
partidos distintos) estão fazendo amplo uso das leis que criaram as
OSCIP e as OS. Nesse caso, é bom lembrar que em 1998 foram movidas
duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra a Lei Federal -
uma pela OAB, e outra pelo PT e PDT, mas elas ainda não foram
julgadas (ficaram 7 anos nas mãos do agora ex-presidente do STF,
Nelson Jobim). A lei foi utilizada pelo governo federal nas áreas de
ciência e tecnologia, meio ambiente e cultura. Atendendo a uma
Deliberação do Conselho Nacional de Saúde, o Ministério da Saúde
nunca celebrou contratos de gestão com OS.
É
com base nessa nova lei que foram implantadas no município de São
Paulo as Assistências Médicas Ambulatoriais (AMA). Mas vários
municípios e outros estados aprovaram leis semelhantes, na medida em
que este mecanismo é aceito pelos Tribunais de Contas para contornar
os limites de gastos com pessoal, impostos pela Lei de
Responsabilidade Fiscal. Esse tipo de execução das políticas
públicas, com transferência de recursos públicos para organizações
de caráter privado, é essencialmente contrário ao espírito
público? Ele pode impedir, de saída, qualquer modalidade de
controle social, tanto pelos conselhos gestores locais quanto pelos
conselhos de políticas nas três esferas de governo? Ele garante
efetivamente um uso mais racional dos recursos públicos, com
transparência? Ele representa um ataque aos direitos trabalhistas
dos funcionários públicos estatutários, cuja transferência para o
Regime Geral da Previdência pode alterar as condições de suas
futuras aposentadorias? De fato, será preciso o desenvolvimento de
estudos detalhados que possam responder a tais dúvidas, mas um olhar
para as experiências recentes podem indicar as tendências gerais
dessas dinâmicas. Os movimentos sociais e fóruns da sociedade civil
que atuam em políticas onde existem OS e OSCIP, como no caso da
saúde, denunciam que essas organizações não permitem (ou não
facilitam) a presença de conselhos gestores, e que incorrem em
irregularidades ao utilizarem recursos humanos da administração
pública direta. Também denunciam a enorme falta de transparência
financeira.
Notas
bibliográficas BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Crise
Econômica e Reforma do Estado no Brasil. São Paulo: Editora 34,
1996. KAYANO, Jorge; TATAGIBA, Luciana; TEIXEIRA,
Ana Cláudia Chaves. Saúde: controle social e política pública.
São Paulo, Instituto Pólis, 2007. (Caderno 29 do Observatório dos
Direitos do Cidadão). SADER. Emir, GENTILI, Pablo (org.).
Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático.
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995.
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