Fragmentação do poema de GREGÓRIO DE MATOS GUERRA
Gregório
de Matos Guerra nasceu em Salvador (BA) e morreu em Recife (PE).
Estudou no colégio dos jesuítas e formou-se em Direito em Coimbra
(Portugal). Recebeu o apelido de Boca do Inferno, graças a sua
irreverente obra satírica.
Gregório
de Matos firmou-se como o primeiro poeta brasileiro: cultivou a
poesia lírica, satírica, erótica e religiosa. O que se conhece de
sua obra é fruto de inúmeras pesquisas, pois Gregório não
publicou seus poemas em vida. Por essa razão, há dúvidas quanto à
autenticidade de muitos textos que lhe são atribuídos.
JULGA
PRUDENTE E DISCRETAMENTE POR CULPADOS EM UMA GERAL FOME QUE HOUVE
NESTA CIDADE NO ANO DE 1691 PELO DESGOVERNO.
Toda a cidade derrota
Toda a cidade derrota
Esta
fome universal,
E
uns dão a culpa total
À
câmara, outros à frota.
A
frota tudo abarrota
Dentro
nos escotilhões,
A
carne, o peixe, os feijões;
E
se a câmara olha e ri,
Porque
anda farta até aqui,
É
cousa que me não toca.
Ponto
em boca!
Se
dizem que o marinheiro
Nos
precede a toda a lei,
Porque
é serviço d'el rei,
Concedo
que está primeiro;
Mas
tenho por mais inteiro
O
conselho que reparte
Com
igual mão e igual arte
Por
todos jantar e ceia:
Mas
frota com tripa cheia,
E
povo com pança oca?
Ponto
em boca!
A
fome me tem já mudo,
Que
é muda a boca esfaimada
Mas
se a frota não traz nada,
Por
que razão leva tudo?
Que
o povo por ser sisudo
Largue
o ouro, largue a prata
A
uma frota patarata,
Que
entrando com vela cheia,
O
lastro, que traz de areia,
Por
lastro de açúcar troca!
Ponto
em boca!
Se
quando vem para cá
Nenhum
frete vem ganhar,
Quando
para lá tornar
O
mesmo não ganhará:
Quem
o açúcar lhe dá
Perde
a caixa e paga o frete,
Porque
o ano não promete
No
negócio que o perder:
O
frete por se dever,
A
caixa porque se choca.
Ponto
em boca!
Ele
tanto em seu abrigo,
E
o povo todo faminto
Ele
chora, e eu não minto,
Se
chorando vo-lo digo:
Tem-me
cortado o embigo
Este
nosso General,
Por
isso de tanto mal
Lhe
não ponho alguma culpa;
Mas
se merece desculpa
O
respeito a que provoca,
Ponto
em boca!
Com
justiça pois me torno
À
Câmara só senhora,
Que
pois me trespassa agora,
Agora
leve o retorno:
Praza
a Deus que o caldo morno,
Que
a mim me fazem cear
Da
má vaca do jantar
Por
falta de bom pescado,
Lhes
seja em cristéis lançado;
Mas
se a saúde lhes toca:
Ponto
em boca!
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