Gonçalves Dias; Se se morre de amor!
Gonçalves Dias
Gonçalves
Dias (1823-1864) foi poeta e teatrólogo brasileiro. É lembrado como
o grande poeta indianista da geração romântica. Deu romantismo ao
tema índio e uma feição nacional à sua literatura. É lembrado
como um dos melhores poetas líricos da literatura brasileira. É
Patrono da cadeira nº 15 da Academia Brasileira de Letras.
Gonçalves
Dias (1823-1864) nasceu nos arredores de Caxias, no Maranhão, no dia
10 de agosto de 1823. Filho de um comerciante português e uma
mestiça. Iniciou seus estudos no Maranhão e ainda jovem viaja para
Portugal. Em 1838 ingressa no Colégio das Artes em Coimbra, onde
conclui o curso secundário. Em 1840 ingressa na Universidade de
Direito de Coimbra, onde tem contato com escritores do romantismo
português, entre eles, Almeida Garret, Alexandre Herculano e
Feliciano de Castilho. Ainda em Coimbra, em 1843, escreve seu famoso
poema "Canção do Exílio", onde expressa o sentimento da
solidão e do exílio.
Se
se morre de amor!
Se
se morre de amor! — Não, não se morre,
Quando
é fascinação que nos surpreende
De
ruidoso sarau entre os festejos;
Quando
luzes, calor, orquestra e flores
Assomos
de prazer nos raiam n'alma,
Que
embelezada e solta em tal ambiente
No
que ouve, e no que vê prazer alcança!
Simpáticas
feições, cintura breve,
Graciosa
postura, porte airoso,
Uma
fita, uma flor entre os cabelos,
Um
quê mal definido, acaso podem
Num
engano d'amor arrebatar-nos.
Mas
isso amor não é; isso é delírio,
Devaneio,
ilusão, que se esvaece
Ao
som final da orquestra, ao derradeiro
Clarão,
que as luzes no morrer despedem:
Se
outro nome lhe dão, se amor o chamam,
D'amor
igual ninguém sucumbe à perda.
Amor
é vida; é ter constantemente
Alma,
sentidos, coração — abertos
Ao
grande, ao belo; é ser capaz d'extremos,
D'altas
virtudes, té capaz de crimes!
Compr'ender
o infinito, a imensidade,
E
a natureza e Deus; gostar dos campos,
D'aves,
flores, murmúrios solitários;
Buscar
tristeza, a soledade, o ermo,
E
ter o coração em riso e festa;
E
à branda festa, ao riso da nossa alma
Fontes
de pranto intercalar sem custo;
Conhecer
o prazer e a desventura
No
mesmo tempo, e ser no mesmo ponto
O
ditoso, o misérrimo dos entes;
Isso
é amor, e desse amor se morre!
Amar,
e não saber, não ter coragem
Para
dizer que amor que em nós sentimos;
Temer
qu'olhos profanos nos devassem
O
templo, onde a melhor porção da vida
Se
concentra; onde avaros recatamos
Essa
fonte de amor, esses tesouros
Inesgotáveis,
d'ilusões floridas;
Sentir,
sem que se veja, a quem se adora,
Compr'ender,
sem lhe ouvir, seus pensamentos,
Segui-la,
sem poder fitar seus olhos,
Amá-la,
sem ousar dizer que amamos,
E,
temendo roçar os seus vestidos,
Arder
por afogá-la em mil abraços:
Isso
é amor, e desse amor se morre!
Se
tal paixão porém enfim transborda,
Se
tem na terra o galardão devido
Em
recíproco afeto; e unidas, uma,
Dois
seres, duas vidas se procuram,
Entendem-se,
confundem-se e penetram
Juntas
— em puro céu d'êxtases puros:
Se
logo a mão do fado as torna estranhas,
Se
os duplica e separa, quando unidos
A
mesma vida circulava em ambos;
Que
será do que fica, e do que longe
Serve
às borrascas de ludíbrio e escárnio?
Pode
o raio num píncaro caindo,
Torná-lo
dois, e o mar correr entre ambos;
Pode
rachar o tronco levantado
E
dois cimos depois verem-se erguidos,
Sinais
mostrando da aliança antiga;
Dois
corações porém, que juntos batem,
Que
juntos vivem, — se os separam, morrem;
Ou
se entre o próprio estrago inda vegetam,
Se
aparência de vida, em mal, conservam,
Ãnsias
cruas resumem do proscrito,
Que
busca achar no berço a sepultura!
Esse,
que sobrevive à própria ruína,
Ao
seu viver do coração, — às gratas
Ilusões,
quando em leito solitário,
Entre
as sombras da noite, em larga insônia,
Devaneando,
a futurar venturas,
Mostra-se
e brinca a apetecida imagem;
Esse,
que à dor tamanha não sucumbe,
Inveja
a quem na sepultura encontra
Dos
males seus o desejado termo!
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