Lixo eletrônico: Tesouro dispensado
Nova técnica extrai ouro e cobre de lixo eletrônico
Método desenvolvido por estudantes mineiros é mais seguro e rápido do que opções tradicionais. Geração de e-lixo pode chegar a 50 milhões de toneladas em 2018, segundo ONU
Pense
bem antes de se desfazer daquele seu computador ou celular velho.
Dois estudantes de engenharia química de uma faculdade mineira
desenvolveram uma nova forma de recuperar ouro e cobre presentes no
lixo eletrônico. A proposta, recentemente premiada, se destaca por
ser mais rápida e segura que as opções tradicionais. Filipe de
Almeida, 25, conta que a ideia surgiu após ver, em um programa de
televisão, que o lixo eletrônico produzido no Brasil não costuma
ser reaproveitado – ou é descartado na natureza, o que traz riscos
ambientais, ou é vendido por preços baixos para países como a
Alemanha, onde já existe uma indústria preparada para esse
trabalho.
Segundo
a ONU, o mundo produziu 42 milhões de toneladas de lixo eletrônico
em 2014 – e pode chegar a 50 milhões de toneladas em 2018. Segundo
relatório produzido pela organização, de 60% a 90% desses resíduos
são descartados ou comercializados ilegalmente – o preço da
tonelada gira em torno de US$ 500, segundo a Interpol. A notícia
trouxe um insight para ele e Lúrima Uane Soares Faria, 20, sua
colega na Unileste (Centro Universitário do Leste de Minas Gerais).
“Pensamos: ‘Se não existem empresas devidamente capacitadas para
isso no nosso país, podemos tentar desenvolver um processo
industrial para esse tratamento!’”, lembra o estudante.
Ouro,
cobre, prata, zinco, estanho e platina são alguns dos metais
presentes em grande parte dos equipamentos eletrônicos. Tome-se como
exemplo uma placa de circuito impresso (componente de computadores,
controles remotos, smartphones etc.). Estima-se que quase um terço
de sua composição seja de metais. Destes, o mais comum é o cobre
(14%), seguido por ferro (6%), níquel (2%), zinco (2%), estanho
(2%), prata (0,3%), ouro (0,04%) e platina (0,02%). O problema é que
eles nem sempre aparecem em sua forma pura, mas sim formando uma
liga, o que dificulta a extração direta.
Como
extrair ouro do lixo
Para
recuperar esses metais, há, basicamente, dois caminhos. Um é a
pirometalurgia, que consiste em incinerar o lixo eletrônico
(incluindo peças de plástico etc.) e, depois, separar os metais por
ponto de fusão (o zinco, por exemplo, derrete a 419,5ºC, enquanto a
prata, a 961,8ºC). Trata-se do método mais barato, porém, o
processo de incineração gera muitos gases tóxicos e os metais
recuperados dessa forma têm baixo teor de pureza. O segundo caminho
é o da hidrometalurgia – termo adotado para designar processos
diferentes que têm, em comum, a meta de dissolver o metal por meio
de reações químicas, separando-o de outras substâncias. Uma
vantagem é o alto teor de pureza obtido. No caso do ouro, porém, o
procedimento costuma incluir cianeto de potássio – substância
altamente tóxica, que pode levar à morte mesmo em baixas
quantidades. “Trabalhamos com ouro sem utilizar cianeto. Com isso,
reduzimos a toxicidade em cerca de 90%”, afirma Almeida. A
abordagem também é mais rápida, reduzindo o tempo de lixiviação
do metal de uma semana para duas horas.
A
meta dos estudantes, agora, é descobrir novas formas de extrair do
lixo eletrônico metais como prata, chumbo, estanho, platina e
níquel. Além disso, querem levar o procedimento do ambiente
laboratorial para uma escala maior e, assim, avaliar se o método
seria economicamente viável. Para seguir com os planos, contam com
bolsas da Fapemig (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
Minas Gerais) e uma verba de R$ 10 mil, proveniente do prêmio
Sustentabilidade Radix, que contemplou cinco projetos de centros de
ensino e/ou pesquisa no fim do ano passado.
Em
relação ao potencial econômico, pode soar restrito quando
lembramos que na placa de circuito impresso, citada acima, o ouro
corresponde a apenas 0,04% dos metais utilizados. Mas Almeida compara
esse tipo de processo ao que é feito normalmente pelas mineradoras,
ao extrair metais de rochas. “Se você comparar uma tonelada de
lixo eletrônico com uma tonelada de terra, vai encontrar muito mais
ouro e minério de cobre no lixo do que na terra”, afirma o
estudante. Segundo ele, uma tonelada de lixo eletrônico pode conter,
em média, cerca de 700g de ouro e 35kg de cobre.
Além
disso, está em jogo a preocupação com o meio ambiente. Quando
equipamentos eletrônicos são descartados de maneira inadequada,
substâncias perigosas, como metais pesados, podem contaminar o
entorno. Tome-se como exemplo o mercúrio, também presente no
e-lixo: se ele chegar às águas de um rio, passará para os peixes
e, depois, para quem consumir esses peixes. A substância pode gerar
problemas neurológicos em humanos e afetar o desenvolvimento
cerebral de fetos. Algumas cidades contam com serviços específicos
de coleta de lixo eletrônico. Em São Paulo, por exemplo, algumas
opções são o CEDIR (Centro de Descarte e Reuso de Resíduos de
Informática), da USP, e o Ecobraz, que coleta e-lixo gratuitamente,
até cinco dias após o agendamento.
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