"Martelo de carne" levou ancestral humano a obter maior cérebro
'Martelo de carne' levou ancestral humano a obter cérebro grande.
Há
milhões de anos, quando um ancestral
humano resolveu
bater e cortar carne com as ferramentas
que tinha à mão antes
de ingeri-la, mal sabia ele que esse seria um passo importante para
que seus descendentes obtivessem um cérebro maior e traços mais
modernos, como boca e dentes menores.
Uma
série de experimentos que procuraram imitar a dieta do Homo
erectus acaba de reforçar a hipótese de que o
processamento de alimentos, combinado a uma alimentação carnívora,
foi essencial para o desenvolvimento dessas características, antes
mesmo do surgimento do cozimento da comida.
O
estudo foi conduzido por Daniel Lieberman e Katherine Zink, da
Universidade Harvard (EUA), e está publicado na última edição da
revista científica britânica "Nature".
GRAÇAS
AO MARTELO DE CARNE
Consumo
de carne e uso de ferramentas permitiram o surgimento de cérebro
grande
HISTÓRIA
ANTIGA
Um
dos mais bem sucedidos ancestrais humanos, o Homo erectus, surgiu na
África há cerca de dois milhões de anos, se espalhou por outros
continentes e só foi extinto após mais de 1,5 milhão de anos
Ele
tinha o corpo e o cérebro maiores que outros ancestrais humanos mais
antigos. Mas, por outro lado, ele apresentava dentes menores,
músculos reduzidos ligados à mastigação, e um estômago menor. É
contraditório: um corpo maior demanda mais energia, mas como extrair
mais calorias dos alimentos com dentes menores e um aparato digestivo
reduzido?
1
- Macaco antropoide, 2 - Australopithecus africanus, 3 - Homo
habilis, 4 - Homo erectus, 5 - Homo neanderthalensis, 6 - Homo
sapiens
O
objetivo era resolver um paradoxo. O Homo erectus, que
surgiu na África e viveu há dois milhões de anos, tinha o corpo e
o cérebro maiores que ancestrais humanos anteriores, mas sua
dentição era mais delicada, incluindo músculos menores para a
mastigação, e seu aparelho digestivo era menor.
Um
corpo maior demanda mais energia, que tem que vir obrigatoriamente de
alimentos. Para comparação, primatas como gorilas e chimpanzés
passam boa parte do dia procurando comida e mastigando. E quando se
trata de carne, a alimentação é demorada, já que a dentição é
mais apropriada para vegetais.
Então,
já que os dentes pequenos e os músculos mastigatórios mais fracos
doHomo erectus não ajudam, fatiar, amaciar e triturar
comida com instrumentos poderiam dar conta do problema.
COMIDA
COZIDA?
Existe
uma hipótese alternativa: o cozimento dos alimentos, tanto carne
como vegetais, é que produziu o excedente de energia que permitiu
corpos e cérebros maiores. Ela foi promovida pelo pesquisador
britânico, Richard Wrangham, também de Harvard, que argumenta que
o Homo erectus já era um "masterchef".
"Wrangham,
que é um primatologista de Harvard –seu escritório está a poucos
metros do meu–, argumenta que o Homo erectus deve
ter cozido carne, mas na verdade não há dados arqueológicos para
apoiar isto. A mais antiga evidência de fogo é de um milhão de
anos atrás, e a mais antiga evidência de cozimento regular é
inferior há 500 mil anos", afirma Lieberman.
"Em
termos de consumo de carne, nós temos dados arqueológicos
abundantes sobre o seu uso regular começando há 2,5 milhões de
anos. Podemos ver isso nos dentes, nos ossos de animais com marcas de
corte, e em ferramentas de pedra que têm traços de terem sio usadas
para cortar carne", diz. "É claro que não sabemos o
quanto de carne o Homo erectus mais antigo comia,
mas caçadores-coletores hoje têm cerca de 30% de sua dieta em
carne", acrescenta Lieberman.
Os
experimentos para tentar fazer uma "reconstituição
pré-histórica" envolveram voluntários usando eletrodos na
mandíbula e tendo que comer carne de bode, cenoura, beterraba e
batata doce. Cru ou cozido. Fatiados, amaciados, assados.
Os
resultados apontam que o Homo erectus mais antigo
teria mastigado 17% menos e usado 26% menos força nos músculos da
face ao processar os alimentos.
Comer
carne e vegetais crus não é algo que muitos fariam. Mas, segundo a
outra autora do estudo, Zink, "os voluntários do experimento
parece que gostaram de 'mastigar pela ciência'. Não eram muitos os
que já tinham comido carne crua antes, e, da minha experiência
pessoal, posso dizer que bode cru tem um sabor muito distinto, mas é
perfeitamente comestível".
"Curiosamente,
de todos os alimentos que nós demos a eles, a beterraba parecia o
menos apreciado. Eu nunca tinha percebido como as beterrabas são
polarizadoras. Algumas pessoas amam, outras acham que ela tem um
gosto muito ruim!", diz Zink.
"Nossos
dados sugerem que o simples processamento de alimentos desempenhou um
papel importante na evolução humana muito antes de que o cozimento
fosse inventado e tornou-se comum", conclui Liberman.
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