Vida na Terra esteve por um fio
Estudo com réplica do Sol jovem sugere que a vida na Terra esteve por um fio
Ao
estudar uma estrela que é praticamente um réplica perfeita do Sol,
só que bem mais jovem, um grupo de astrônomos com participação
brasileira demonstrou que a existência da vida na Terra esteve por
um fio. De acordo com eles, foi somente graças ao campo magnético
do nosso planeta que a história teve final feliz.
O trabalho foi
aceito para publicação no periódico “Astrophysical Journal
Letters” e tem como primeiro autor José Dias do Nascimento,
astrônomo da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e
pesquisador visitante do Centro Harvard-Smithsonian para Astrofísica,
nos Estados Unidos. Do Brasil, também participa do estudo o
astrônomo Gustavo Porto de Mello, do Observatório do Valongo da
UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
O
alvo dos pesquisadores foi a estrela Kappa¹ Ceti (não tente
falar isso em voz alta; fica esquisito). Ela está localizada na
constelação da Baleia, a uns 30 anos-luz de distância. E é
igualzinha ao Sol, só que jovem. Enquanto a nossa estrela-mãe é
uma senhora de meia-idade, com 4,6 bilhões de anos, os pesquisadores
estimam que Kappa¹ Ceti seja uma adolescente, com entre 400 e
600 milhões de anos.
Não
custa lembrar: as evidências mais antigas de vida na Terra remontam
à época em que o Sol tinha essa idade aí.
A dita cuja. Fica perto de Órion. Sem poluição luminosa e atmosférica, dá para vê-la a olho nu! |
“Ela
é uma réplica do Sol jovem. Sua metalicidade e massa são
praticamente iguais — dentro da barra de erro observacional — às
do Sol”, disse José Dias do Nascimento ao Mensageiro
Sideral.
ANOS
REBELDES
Já se sabe que as estrelas, a exemplo dos seres humanos, são mais agitadas, instáveis e tempestuosas quando jovens. O passar dos anos vai tornando tanto umas como outros mais calmos, pacíficos e cordatos.
Já se sabe que as estrelas, a exemplo dos seres humanos, são mais agitadas, instáveis e tempestuosas quando jovens. O passar dos anos vai tornando tanto umas como outros mais calmos, pacíficos e cordatos.
A
questão é: quão mais raivoso era o Sol em sua juventude? Os
pesquisadores puderam estudar isso usando a réplica Kappa¹ Ceti,
medindo com precisão a magnetosfera da estrela. Dê uma olhada no
naipe da modelagem das linhas de campo magnético. Troço irado.
As linhas de campo magnético de Kappa1 Ceti, de acordo com a modelagem do estudo |
Com
esse campo magnético aí, Kappa¹ Ceti deve ser uma estrela
cheia de manchas estelares gigantes, bem maiores que as do Sol de
hoje, e capaz de supererupções, com energias milhões de vezes
superiores às envolvidas naquelas ejeções de massa coronal da
nossa estrela. O vento estelar dela, por sua vez, é cerca de 50
vezes maior que o solar atual. Isso é um caminhão de partículas
altamente energéticas que a estrela está ejetando e soprando na
direção dos planetas que por ventura estejam ao seu redor.
Decerto
o Sol fez a mesmíssima coisa por aqui, 3,8 bilhões de anos atrás,
banhando os planetas em altas doses de radiação. Hoje, em proporção
bem menor, continua fazendo. Mas a Terra tem seu próprio campo
magnético, que age efetivamente como um escudo.
O
drama é que, naqueles tempos, a magnetosfera terrestre seria menor e
mais fraca — talvez até mesmo metade do seu valor atual. “A
Terra primitiva não tinha tanta proteção como tem agora, mas teve
o suficiente”, diz Nascimento. “A sobrevivência da vida
primitiva em nosso planeta esteve por um triz.”
A
GRAMA DO VIZINHO É MENOS MAGNÉTICA
Em
compensação, nosso vizinho Marte, naquela época, já estava
sofrendo com o “desligamento” do seu campo magnético. A
magnetosfera de um mundo tem uma correlação com o nível de energia
interna nele, que por sua vez tem ligação com o tamanho. Quanto
maior ele é, mais intensa ela tende a ser e por mais tempo tende a
durar. O planeta vermelho, menorzinho que a Terra, viu seu campo
magnético pifar muito cedo. E aí deu “ruim” para ele. “Perdeu
a água, a atmosfera e provavelmente a possível sopa orgânica —
vida — que por ventura tenha se formado lá”, diz Nascimento.
Os
resultados são consistentes com o da sonda americana Maven, que
recentemente mediu a constante erosão da atmosfera marciana pelo
vento solar. Os pesquisadores da Nasa estimam que a transição do
estado molhado para seco de Marte tenha ocorrido entre 4,2 bilhões e
3,7 bilhões de anos atrás — exatamente na mesma época em que as
primeiras formas de vida apareceram na Terra e no momento em que o
campo magnético marciano pifou. Tendo um Sol com comportamento de
Kappa¹ Ceti, na época, não ajudou. (Não é bonito quando
diversas linhas de pesquisa, baseadas em medições diferentes,
costurando ciência planetária e astrofísica, começam a contar uma
história coesa e consistente? É praticamente o Universo fazendo uma
delação premiada para os cientistas.)
Concepção artística da Terra tendo de lidar com a aborrescência do Sol jovem. |
E
KAPPA¹ CETI?
Não
podemos também perder de vista que observar essa estrela na
constelação da Baleia é como olhar para um sistema planetário
jovem, com apenas 400 milhões a 600 milhões de anos de idade.
Sabemos que todas as estrelas produzem planetas — faz parte do
processo natural de formação estelar. Quais será que existem lá?
Sabemos
que não há um Júpiter quente, ou seja, um planeta gasoso muito
próximo da estrela — que seria péssima notícia para vida, pois
imagina-se que esses brutamontes nasçam longe de suas estrelas e
depois migrem para dentro, aloprando tudo que encontram no caminho —
inclusive potenciais mundos rochosos na zona habitável (aquela nem
muito quente, nem muito fria) do sistema.
O
mais intrigante é que resultados preliminares indicam, talvez, a
existência de um planeta de menor porte. Mas não será fácil
confirmá-lo. “Muito difícil detectar”, explica Nascimento.
Estrelas muito ativas são terríveis alvos para detectar
exoplanetas, porque sua atividade gera um ruído muito grande que se
sobrepõe (e às vezes até imita) um sinal de planeta. “Mas tudo
vai se modernizando, inclusive a modelagem da atividade”, diz o
pesquisador. “Kappa é um excelente laboratório para essa
modernização e o desenvolvimento de técnicas de detecção em
estrelas ativas.”
Apesar
de todas essas ressalvas, o pesquisador da UFRN se permite um
devaneio. “Pelo que sabemos, Kappa pode ter um planeta e as
bactérias estão estourando lá neste instante!”
Será?
Difícil saber. Mas é incrível pensar que, em vários cantos do
Universo, a cada instante que passa, a sensacional história do nosso
Sistema Solar — ou alguma variação dela, com toda a criatividade
que o cosmos já revelou ter — está começando de novo, e de novo,
e de novo.
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