A nova "cara" do vírus da zika
Estudo revela a 'cara' do vírus da zika –e ele é quase um sósia do da dengue
A
primeira análise detalhada da estrutura molecular do vírus zika
revelou que ele é praticamente um sósia do vírus da dengue –mas
com algumas pequenas diferenças que podem ser cruciais para a
capacidade que esse vilão microscópico tem de invadir as células
humanas.
Os
resultados, relatados em artigo na prestigiosa publicação
especializada "Science", abrem caminho para o design
racional de estratégias contra a doença, que ainda é muito pouco
compreendida. Ao determinar exatamente como o vírus vence as defesas
do organismo, fica mais fácil projetar moléculas que "fechem a
porta" na cara dele, ou vacinas que preparem as células para
enfrentar a invasão.
Michael
Rossmann e Richard Kuhn, da Universidade Purdue, nos EUA, construíram
seu retrato do vírus zika a partir de amostras de um paciente que
foi infectado na Polinésia Francesa, durante a epidemia de 2013-2014
(tal como aqui, grávidas da região que pegaram a doença também
correram risco aumentado de ter bebês com microcefalia).
A
técnica usada pelos pesquisadores é a microscopia crioeletrônica.
Nela, os vírus são congelados e bombardeados com elétrons (as
mesmas partículas cujo movimento é responsável pela energia
elétrica). A maneira como os elétrons ricocheteiam nas partículas
virais permite criar um mapa da estrutura do vírus - no caso, com
resolução próxima do nível atômico. Ou seja, é quase como se os
cientistas conseguissem contar, átomo por átomo, os componentes do
zika.
O
resultado pode ser visto no infográfico (abaixo). Já se sabia que o
genoma do vírus é composto por RNA (molécula "prima" do
DNA do genoma humano) e está protegido por uma primeira capa de
proteína, o chamado capsídeo. Por cima dele está outra carapaça,
o envelope viral, formado por 180 cópias de duas outras moléculas,
a glicoproteína E (de "envelope") e a proteína M (de
"membrana"). O conjunto tem a forma de um icosaedro (uma
figura de 20 lados).
"Glico"
significa açúcar, como a palavra glicose - ou seja, a molécula E é
uma proteína à qual foi adicionada uma molécula de açúcar. E
esse provavelmente é o ponto crucial do esforço para decifrar a
estrutura do vírus. Bem em torno do ponto onde o açúcar se liga à
proteína no envelope do vírus, existem diferenças significativas
numa lista de dez aminoácidos (os componentes das proteínas) do
zika, quando se compara o vírus ao da dengue ou a outros parentes,
como o da febre amarela.
Ora,
ocorre que, no caso dos demais vírus do grupo, é justamente esse
pedacinho da estrutura do envelope que é "oferecido" para
as células humanas que vão ser invadidas pelo patógeno - os
pesquisadores chegaram a compará-lo a um doce oferecido por um
estranho a uma criança. Em contato com essa parte do vírus, a
célula "inocente" se liga ao invasor e acaba sendo
capturada.
"Caso
esse local do envelope funcione como a região similar no vírus da
dengue e esteja envolvida na conexão com as células humanas, será
um bom alvo para um composto antiviral. Talvez seja possível
projetar um inibidor que bloqueie essa função, evitando que o vírus
infecte células humanas", disse Rossmann em comunicado.
Saber
exatamente a estrutura dessa área é crucial porque, no caso de
moléculas como as proteínas, a forma tem relação direta com a
função: elas atuam com base num princípio semelhante ao encaixe de
uma chave na fechadura. Se o buraco da fechadura muda, digamos, a
"chave" do vírus não consegue mais abrir a "porta"
da célula.
Esse
deve ser o próximo passo dos pesquisadores americanos: investigar se
esse tipo de inibição da atividade do vírus é possível.
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