Ciência, uma questão de fé?
Ciência, uma questão de fé?
Acreditar
cegamente naquilo que ninguém viu nem comprovou faz parte do
dia-a-dia dos pesquisadores, e mostra que a ciência nem sempre tem
base científica
Eles
odiariam admitir, mas ser cientista também é uma profissão de fé.
Duvida? Então pense no maior e mais caro laboratório da história.
Ele mesmo: o LHC (grande acelerador de hádrons), um monstro de 3
bilhões de euros e 27 quilômetros de circunferência enterrado na
fronteira da França com a Suíça.
O
trabalho dele é acelerar prótons a 1 bilhão de quilômetros por
hora e fazer com que eles batam de frente. A energia da pancada é
tamanha que a coisa funciona como um mini big-bang (a explosão que
deu origem ao Universo). Ou seja: vão “nascer” partículas de
todos os tipos, e poderemos encontrar coisas jamais vistas pelo homem
lá no meio.
Tudo
isso tem muita cara de ciência sólida, não? E seria mesmo, não
fossem alguns objetivos do experimento.
O
principal dele: encontrar uma partícula jamais observada antes. É o
bóson de Higgs, que seria a partícula responsável por fazer as
coisas ter massa – graças a ele você é uma coisa “sólida”,
e não um fantasma feito de luz. Uma tarefa nobre. Só que até agora
o bóson só existe nas equações dos físicos. É apenas uma
ferramenta matemática que ajuda a explicar o funcionamento do
Universo. Como as contas dão certo quando colocam essa partícula no
meio, a maior parte dos físicos imagina que ela seja real mesmo, mas
falta uma prova concreta. Por enquanto, acredita quem quer.
Não
chega a ser uma fé cega, claro: existem boas razões para crer nela.
Afinal de contas, outras partículas que só existiam nas equações
já foram descobertas em outros aceleradores. E teorias hoje provadas
e comprovadas, como a do big-bang e a relatividade, começaram no
papel – e sob muita descrença.
Caso
encontrem o Higgs, então, será uma festa: os cientistas vão saber
que estavam certos nas últimas décadas. Se não rolar, ele passará
para a história como uma hipótese tão furada quanto aquela que
dizia que o Sol girava em torno da Terra. Ou seja: por hora, é
questão de fé mesmo.
Uma
fé que não pára por aí. Se a maioria dos cientistas considera a
existência do bóson de Higgs extremamente provável, o mesmo não
vale para outra coisa que muita gente espera encontrar no LHC: mundos
de 10 dimensões.
Seres da 10ª dimensão
Parte
dos cientistas acha que teorizar a existência de mais dimensões é
algo tão racional quanto acreditar em duendes. Outros, porém, são
fanáticos por elas. E muitos deles estão entre as mentes mais
brilhantes da física – Stephen Hawking incluído, entre outros
menos conhecidos e tão respeitados quanto. São os partidários da
Teoria das Supercordas.
Seus
defensores dizem que o Universo pode ser explicado de uma vez se tudo
o que existe seja, lá no fundo, feito de cordas ridiculamente
minúsculas. Cordas que vibram frenéticamente em um universo com
muitas dimensões de espaço (e não em um com 3, como o mundo que
observamos). O ponto deles é o seguinte: se uma dessas cordas vibra
num “tom” específico (pense nas cordas de um violão), ela se
transforma em uma partícula elementar, como um elétron. Se outra
vibra de um jeito diferente, assume a forma de um fóton (partícula
de luz). E por aí vai, até completar o rol de partículas que
formam os tijolos básicos de tudo o que existe.
Além
de elabrorar isso, os teóricos concluíram que 3 dimensões são
pouco para que as cordas vibrem com a intensidade louca que eles
imaginam. Por exemplo: imagine uma corda de violão esticada numa
mesa. Ela só pode se movimentar em duas dimensões. Então vibra
pouco. O som sai pobre. Já quando a corda está solta no ar, vibra
em 3D. E produz um som decente. Pegou a idéia? Então: os cientistas
imaginam que as cordas da teoria precisam mais “direções” para
tocar sua sinfonia. Então usam mais dimensões de espaço: 10.
Mas,
se as cordas podem ser a resposta para o mistério sobre o que forma
tudo no Universo, por que não vemos essas dimensões a mais? Porque
elas ficariam enroladas umas nas outras, como pequenos novelos de lã,
dizem os teóricos. E seriam bem pequenas: trilhões e trilhões de
vezes menores que um átomo. Tão liliputianas que nenhum microscópio
do mundo teria como detectá-las.
Ou
não: os defensores da teoria têm esperança de que no meio da orgia
energética no coração do LHC essas tais dimensões enroladas
apareçam, como um estilhaço da quebra dos prótons. Seria a
primeira evidência de que as supercordas não são apenas uma
crença.
Mas
e se não aparecer nada lá? Sem problema. Nem assim os cordistas
pretendem largar o osso. E já têm até a resposta pronta: “Apenas
não atingimos o nível de energia necessário para revelar as novas
dimensões. Um dia, quem sabe, a gente chega lá”. A fé, afinal,
move montanhas.
Tem
mais. Alguns cientistas imaginaram um jeito original de resolver um
enigma cabeludo da física quântica – o de que uma única
partícula pode existir em vários lugares ao mesmo tempo. Como?
Elocubrando que isso acontece por causa da interferência entre
Universos paralelos. A idéia parece absurda, mas faz sucesso mesmo
entre físicos brilhantes. É a Teoria dos Muitos Mundos.
Ela
chega a defender que esses cosmos paralelos são habitados por
ninguém menos que... você! Sim, existiriam infinitas cópias suas
espalhadas por infinitos Universos (um conjunto que eles batizaram
como Multiverso). Nesses lugares, tudo o que é possível acontecer
acontece. Ou seja: em um Universo, você nunca nasceu; em outro, é o
Presidente da República ou o que for (não é exagero, isso faz
parte das versões mais punks da teoria). Teoria que é só mais uma
entre as tantas que esperam na fila para sair dos domínios da fé.
Próxima, por favor!
A fé dos cientistas
Na física, onde há especulação, há uma dose de crença. Confira onde se encaixam as teorias mais conhecidas no termômetro da fé.
Supercordas
A
idéia de que todas as partículas são cordinhas vibrantes ganhou o
coração e a mente dos físicos. Mas ainda não há como saber se
ela não passa de imaginação.
Bóson
de Higgs
É
uma partícula fundamental para a ciência. Sem ela, as equações da
física moderna não funcionam. Mas falta ver se ela realmente existe
fora do papel .
Mecânica
quântica
A
teoria que rege o mundo subatômico está certa. Mas abre espaço
para especulações, já que faltam provas sobre o que ela diz a
respeito da gravidade.
Hipótese
do multiverso
Se
há uma teoria bacana é esta: não teríamos só este Universo aqui.
Existiriam infinitos deles. Mas e para provar uma coisa dessas? Até
agora, sem chance.
Teoria
da inflação Cósmica
Só
dá para entender como o Cosmos é tão bem distribuído se
imaginarmos que ele teve um período de crescimento acelerado. Mas
faltam evidências.
Relatividade
geral
Ninguém
duvida da teoria de Einstein. Mas ela, que rege a gravidade, não
funciona no mundo subatômico. Achar que ela apita ali ainda é
questão de fé.
Big-Bang
Aqui
não tem espaço para a fé. O Universo nasceu de um ponto há 13,7
bilhões de anos e é isso aí. As provas não deixam espaço para
dúvida.
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