Ditador que fez rainha Vitória riscar Bolívia do mapa
As inacreditáveis histórias do ditador que fez a rainha Vitória riscar a Bolívia do mapa
Em
uma América Latina onde é difícil dizer qual caudilho praticou
mais desmandos e arbitrariedades, desponta da Bolívia do século 19
um bom candidato a pior déspota do continente.
Pouco
lembrado fora das fronteiras bolivianas, o general Mariano Melgarejo,
que governou o país andino entre 1864 e 1871 (época em que o Brasil
era comandado pelo imperador dom Pedro 2º), é lembrado por muitos
bolivianos como o pior presidente da história de um país marcado
por péssimos mandatários.
Até
hoje circulam no país anedotas sobre as condutas absurdas e às
vezes criminosas do então presidente, muitas delas com tons de
lendas.
Filho
de um espanhol com uma boliviana, Melgarejo era analfabeto,
alcoólatra e deu um golpe para chegar ao poder. Era dado a orgias e
a passear bêbado com tropas pelas madrugadas de La Paz.
Sua
ascensão foi seguida de uma guerra civil que contrapôs suas tropas
às do ex-presidente Manuel Isidoro Belzú. Ali começam as histórias
que erguem o mito.
Longa
vida
O
ex-presidente levava vantagem no conflito e ocupava o palácio
presidencial, em La Paz, quando foi procurado por Melgarejo, que
estaria interessado em um entendimento. Ao invés de negociar,
Melgarejo (ou um dos seus asseclas) matou Belzú ali mesmo.
Vendo
que uma multidão que desconhecia o crime exaltava Belzú na praça
em frente ao palácio, o general levou o corpo do ex-presidente até
o balcão e perguntou quem merecia os vivas agora. “Longa vida a
Melgarejo!” foi a resposta.
Ilustração mostra a morte do ex presidente Belzú em conflito com o general Melgarejo. |
Em
outra oportunidade, em mais uma demonstração de seu poder, o
general quis mostrar a um visitante estrangeiro o nível de
disciplina de seus soldados. Chamou parte de sua escolta ao gabinete,
abriu as portas dos balcões do palácio e ordenou que marchassem em
direção ao exterior.
Como
ninguém ali queria contrariar as ordens do chefe, os membros de sua
guarda pessoal se jogaram do segundo andar do prédio, alguns deles
ferindo-se.
Botou
no bolso
Com
o poder consolidado, Melgarejo estabeleceu uma ditadura violenta que
perseguiu opositores e prejudicou especialmente a majoritária
população indígena boliviana, tomando suas terras.
Em
1868, Melgarejo reuniu o Congresso para a edição de nova
Constituição para o país. Com ela de pé, reuniu a elite política
e econômica da Bolívia para um banquete.
Após
ouvir discursos exaltando a superioridade da nova Carta magna sobre a
anterior, respondeu, para a mofinez generalizada dos presentes: “Não
sou nenhum falso nem hipócrita: saibam todos os senhores deputados
que a Constituição de 1861, que era muito boa, meti em esse bolso,
e a de 1868, que é melhor, segundo esses doutores, já meti em esse
outro, e que ninguém governa na Bolívia mais que do que eu”.
Questões
externas
É
na relação com outros países que o general reúne algumas de suas
histórias mais absurdas –além de danosas para a Bolívia.
Foi
sob sua administração que foi firmado tratado territorial com
concessões ao Chile, que, anos depois, abriria margem para
contestações que levariam à perda do litoral boliviano, reclamado
até hoje por La Paz.
Ao
eclodir a guerra franco-prussiana, o ditador, francófilo declarado,
mandou mobilizar as tropas para colocar a Bolívia ao lado da França
no conflito, para o terror de seus comandantes, que não viam como
viabilizar tal traslado de soldados. Acabou dissuadido e evitou um
pesadelo logístico para o mambembe Exército boliviano.
Questões
equinas
Um
causo famoso envolve o Brasil. Diz a lenda que foi decisivo para a
assinatura do Tratado de Ayacucho, de 1867, que vendeu largas porções
do território boliviano ao Brasil, a inclusão na negociação de um
belo cavalo branco para Melgarejo.
A
história se confunde com a lenda comum no Brasil de que o hoje
Estado do Acre foi comprado pelo Brasil da Bolívia por um cavalo. Na
verdade, a incorporação do Acre só ocorreria décadas depois, por
meio de outro tratado, o de Petrópolis.
As
questões equinas perpassariam a política externa de Melgarejo em
outra ocasião.
De
acordo com uma das mais famosas e controversas histórias envolvendo
o general, ele obrigou um embaixador britânico que o teria
contrariado a montar nu e de costa sobre um burro e circular por La
Paz, antes de expulsá-lo do país (vale ressaltar que a história,
talvez a lenda magna sobre Melgarejo, tem diversas versões e
detalhes dissonantes, entre eles se foi mesmo o general o presidente
que protagonizou o episódio).
Ao
saber do ocorrido, a rainha Vitória mandou bombardear a capital
boliviana. Após ser informada de que isso não seria possível pela
distância da cidade do litoral, mandou trazer um mapa, riscou a
Bolívia e anunciou que o país não mais existia.
Deposto
por adversários internos em 1871, Melgarejo se exilou no Peru, onde
acabou assassinado pelo ex-cunhado naquele mesmo ano.
Boa
parte das muitas vezes inacreditáveis histórias envolvendo sua
funesta passagem pelo comando de um país estão compilados em uma
obra de 1917 chamada “El general Melgarejo: hechos y dichos de este
hombre célebre”, do biógrafo Tomás O’Connor d’Arlach.
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