Mulheres na Segunda Guerra Mundial
Mulheres no front
A prestigiada escritora Svetlana Aleksiévitch narra com extremo realismo a participação feminina no exército soviético durante a II Guerra Mundial. Como pano de fundo a obra mostra que, para o regime comunista, as combatentes eram “seres inferiores”
“Estava
esperando meu segundo filho. Tinha um menino de dois anos e me
encontrava grávida. E aí, veio a guerra. Meu marido no front. E eu
fui para a casa dos meus pais e fiz… É, entende? Um aborto. Apesar
de na época estar proibido… Como ia dar à luz? Num mar de
lágrimas… Na guerra! Como dar à luz em meio à morte?”. Esse é
o depoimento de Liubov Arkádievna Tchárnaia que atuou como
subtenente do “exército vermelho” soviético na Segunda Guerra
Mundial (1939-1945). A sua densa fala é uma das centenas reunidas no
livro “A guerra não tem rosto de mulher”, que ganha a sua versão
em português três décadas após a primeira edição russa, então
proibida pelas autoridades do regime comunista e totalitário da
ex-URSS. A publicação brasileira que desembarca agora nas livrarias
(Companhia das Letras) inclui fragmentos de conversas da autora, a
ucraniana Svetlana Aleksiévitch, com alguns dos censores e também
retornos de algumas das entrevistadas. Svetlana lembra as duras
palavras que na época um censor lhe dirigiu: “Você está
humilhando a mulher com seu naturalismo primitivo. A mulher heroína.
Destronando-a. Está transformando-a em uma mulher comum. Uma fêmea.
E elas são nossas santas”. É assim que o burocrata do governo
traduzia o desespero das mulheres soviéticas ao entrarem na luta e
como os seus próprios companheiros as subjugavam.
Os
relatos descritos nas 392 páginas da obra mostram a constante
necessidade de as “meninas do front”, como se autointitulavam, de
se autoafirmarem para serem respeitadas e aceitas como soldados.
Segundo a escritora, até para permitir que as mulheres entrassem no
conflito, os homens relutavam — esse território era deles, era
essencialmente masculino. Ela faz questão de ressaltar em diversos
trechos, no entanto, que “todos os homens já tinham ido para o
combate, todos os que podiam.” Svetlana frisa que há dois pontos
de vista diversos: os homens exaltavam o heroísmo enquanto as
mulheres afirmavam se tratar de uma matança – além de trabalho.
Ela considera o olhar feminino mais real. Tratadas como meninas, ou
seja, combatentes inferiores, as mulheres eram constantemente
lembradas de que não compunham o universo daqueles que se
consideravam seres privilegiadamente fortes. “Abra o seu avental…
me mostre os seus seios…”, foi a frase que uma enfermeira ouviu
de um agonizante capitão russo, pouco antes de ele morrer. A própria
escritora enfrentou obstáculos e preconceitos dos colegas de
literatura ao declarar que faria um livro sobre a Segunda Guerra do
ponto de vista feminino. “Mais de uma vez me avisaram: as mulheres
vão inventar. Vão criar. Mas eu cheguei à conclusão: é
impossível inventar isso”, escreve Svetlana.
Além
das brutalidades vividas no front, com mortes, membros amputados e
sangue a tingir os olhos e a alma, a ponto de muitas combatentes
evitarem a cor vermelha para o resto de suas vidas, elas ainda
enfrentaram flagelos tipicamente femininos: abortavam por medo do que
seus filhos passariam, valiam-se de seus próprios bebês como
estratégia para conseguir um mísero pedaço de pão. Sofrimento
igual amargaram as sovietes que deixaram de menstruar ou que perderam
a voz devido a traumas suportados no front. Um depoimento chocante
aponta que guerras embrutecem igualmente a todos: “Eu era
motorista, levava caixas com projéteis de artilharia e escutava os
crânios estalando debaixo das rodas do carro. Os ossos. E ficava
feliz”. A leitura de “A guerra não tem rosto de mulher” é
dolorosa. Uma ex-combatente deixou para a história uma cortante
frase. Ela disse ter “pena de quem vai ler esse livro, e também de
quem não vai lê-lo”.
Matéria
na íntegra através do link:
http://istoe.com.br/mulheres-no-front/?platform=hootsuite
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