Catapulta uma das mais revolucionárias armas inventadas
A mãe de todas as guerras
A catapulta foi uma das mais revolucionárias armas inventadas pela humanidade. A partir dela, as máquinas - e não o homem - é que decidiam as batalhas
Em
1304, o rei Eduardo 1º da Inglaterra cercou o castelo de Stirling,
na Escócia. Lá resistiam os últimos guerreiros que, anos antes,
haviam apoiado a rebelião antiinglesa promovida pelo escocês
William Wallace. Sem conseguir demolir as sólidas muralhas, Eduardo
1º apelou. Ergueu um engenho conhecido como trebuchet – uma
máquina de atirar pedras, parente gigante da catapulta. Por 10
semanas, um batalhão de 50 operários cortou 20 grandes carvalhos
para construir o monstro, ali mesmo, no local do cerco. O colosso
intimidou de tal modo os defensores que, antes mesmo de ser
concluído, fez com eles tentassem se render. Mas Eduardo queria
testar o brinquedão. Com pedras de 150 quilos, o rei inglês
devastou as muralhas e tomou o castelo, em um cerco como o do
infográfico destas páginas. Só aí aceitou a rendição.
O
terror vivido pelos defensores do castelo de Stirling não era algo
novo. O sentimento havia sido experimentado há pelo menos 2 400
anos, com a invenção das pioneiras armas de sítio ou de cerco –
categoria que tem na catapulta sua representante mais célebre, mas
inclui ainda onagros, oxibeles, trebuchets e outras engenhocas
construídas de acordo com a criatividade de inúmeros povos da
Antiguidade e da Idade Média. No terreno militar, o impacto dessa
novidade literalmente não deixou pedra sobre pedra. Até então, os
exércitos eram formados apenas pela infantaria (tropas que avançam
a pé) e a cavalaria (tropas que avançavam a cavalo e, hoje, em
veículos blindados). A partir das catapultas, eles passaram a contar
também com uma terceira arma: a artilharia, especializada no
lançamento de projéteis a grande distância. Simplesmente não
havia mais cidade – não importava o tamanho do muro – que
pudesse resistir a um ataque persistente. E, quanto maior, melhor:
engenhos gigantescos como os trebuchets da página anterior fizeram
com que o pânico tomasse conta dos defensores como nenhuma outra
arma. Afinal, tomar uma pedrada enorme ou ser varado por uma
superflecha desmoronava qualquer um.
Pai
desconhecido
Em
termos técnicos, as armas de cerco aproveitavam os princípios de
funcionamento de duas armas muito antigas, mas também muito
eficientes: o arco e a funda, espécie de corda para atirar pedras.
Em diferentes momentos históricos, foi o aprimoramento e a junção
das duas invenções que permitiu o surgimento da artilharia. A
partir delas dá para estabelecer duas linhas evolutivas para contar
essa história (veja detalhes no infográfico abaixo). A primeira,
que aconteceu no Ocidente, foi a que originou a catapulta
propriamente dita. Com significado em grego indicando algo como
“jogar contra”, a catapulta foi uma das poucas armas da
Antiguidade com local e data de nascimento registrados: a
cidade-Estado grega de Siracusa, na ilha da Sicília (atual Itália),
por volta de 399 a.C. Mas há um mistério. O artesão que bolou a
catapulta permanece desconhecido. Uma das explicações é que,
provavelmente, o engenheiro que concebeu a peça era um escravo. E
escravos não podiam levar a fama.
O
motivo da inovação, como sempre, era a mais pura e simples das
necessidades: grana. Alguns anos antes, Dionísio 1º, rei que
governava Siracusa, havia negociado muito a contragosto o pagamento
de terras e dinheiro para evitar que os inimigos cartagineses
invadissem a cidade. Por debaixo dos panos, o tirano resolveu tomar
de volta o que julgava ser seu. Para isso, transformou seus domínios
em um dos maiores centros de tecnologia militar. Graças ao lucro com
o comércio de trigo e azeite, em pouco tempo Dionísio conseguiu
arrebanhar os melhores artesãos militares do Mediterrâneo. “O rei
circulava diariamente entre os inventores, conversava em tom ameno
com eles e recompensava os mais esforçados com presentes e convites
para banquetes”, relatou o historiador grego Diodorus Siculus, ele
próprio um siciliano. Da comilança e dos agradinhos resultaram
numerosas máquinas de guerra. A catapulta estava entre elas e fez
sua estréia no bem-sucedido cerco à cidade cartaginesa de Motya,
que caiu em 398 a.C.
Do
sucesso veio a multiplicação do espanto. Em sua obra Moralia, o
filósofo grego Plutarco descreve o terror do rei espartano
Arquidamos 3º (360 a.C.–338 a.C.) quando viu a catapulta
demonstrada pela primeira vez. “Ó, Héracles! A bravura em batalha
foi destruída!”, teria dito o rei, referindo-se ao fato de que uma
arma daquelas poderia acabar com o mais valoroso dos guerreiros, sem
que ele tivesse chance de fazer nada. Não era pouca coisa o momento
histórico que Arquidamos presenciava: pela primeira vez, o homem
podia usar algo que ia muito além da própria força física para
guerrear. Quem vencia a guerra, a partir de então, era a máquina,
não mais o homem.
Os
gregos curtiram a brincadeira. Por volta de 330 a.C., ou seja, apenas
70 anos após a invenção da catapulta, o arsenal de Atenas já
incluía uma variedade de requintados modelos impulsionados por
sistemas de torção que ampliavam o alcance do projétil. Armas como
o oxibele nasceram a partir do mesmo mecanismo. Capitalizado pelos
romanos, o surto inventivo grego foi copiado e melhorado. Mudanças
nos materiais, no design e no próprio uso tornaram a artilharia mais
do que uma arma selvagem. O passo definitivo para transformar o uso
das catapultas em uma ciência foi o desenvolvimento da balística –
a arte por meio da qual os artilheiros conseguiam, graças a cálculos
matemáticos, direcionar com razoável precisão os projéteis que
saíam de suas máquinas.
Catapultas
e similares continuaram a ser utilizados até o início da Idade
Média. Isso até os europeus tomarem contato com a segunda linha
evolutiva das armas de cerco, desenvolvida no Oriente, mais
precisamente dentro da tradição chinesa. Utilizando o mesmo
princípio da alavanca, os chineses, desde 400 a.C. (a mesma época
do desenvolvimento da catapulta na Grécia), faziam uso de uma
espécie de gangorra gigante com uma funda na ponta para atirar
pedras. O invento, chamado de hseun fang (“furacão”), utilizava
a força de cerca de 10 homens, que puxavam um dos braços da
alavanca com cordas.
Com
o tempo, os chineses se ligaram que não era necessário ter pessoas
puxando um dos lados da gangorra. Bastava colocar um contrapeso para
que o efeito fosse o mesmo. Ao longo dos séculos, o poderoso engenho
atravessou a Ásia. No ano de 1169, o estudioso islâmico al-Tarsusi
descreveu em um manual militar uma máquina que usava o mecanismo do
contrapeso, chamada entre os árabes de manjaniq.
Queridinhos
do rei
Na
mesma época, o invento, que ficaria conhecido no Ocidente com o nome
de trebuchet, foi construído por forças cristãs que combatiam na
Palestina durante a 3a Cruzada (1189-1192). O comandante da
expedição, o rei inglês Ricardo Coração de Leão, tinha uma
adoração especial por dois enormes trebuchets apelidados por ele de
Catapulta de Deus e Vizinho Mau, que abriram enormes brechas na
fortaleza da cidade de Acre.
A
partir das Cruzadas, o trebuchet cresceu e apareceu por toda a
Europa, onde participou de alguns dos momentos mais criativos da
Idade Média. Utilizando as enormes máquinas de cerco, os atacantes
jogavam animais e cadáveres infectados com peste para dentro das
muralhas, uma guerra biológica primitiva. Há também relatos de
negociadores sendo enviados vivos – via trebuchet – de volta às
cidades sitiadas, numa demonstração de que as negociações haviam
falhado. O predomínio do engenho só seria ameaçado com a chegada
do canhão. O primeiro surgiu em 1325. Por cerca de 100 anos, eles
foram secundários em relação ao trebuchet. Não era fácil
carregá-los, e seu grau de imprecisão era alto. Conforme a
tecnologia foi se aprimorando, a relação se inverteu. “O marco
foi o ano de 1449, data de criação de um canhão gigantesco chamado
Mons Meg, que enviava uma bola de 150 quilos a 266 metros de
distância. A partir de então, o poder de fogo do canhão e do
trebuchet se equiparou”, afirma o especialista em catapultas
Michael Farnworth, autor do ensaio Inventive Steps in Trebuchet
Evolution (“Passos Inovadores na Evolução do Trebuchet”).
Daquele ponto em diante, a importância do trebuchet foi gradualmente
diminuindo. Em 1550, gravuras medievais ainda mostravam o engenho
operando ao lado de canhões. O último uso documentado é bem
posterior, de 1779, durante uma batalha em Gibraltar. Na ocasião, o
Exército inglês aproveitou a trajetória de parábola dos projéteis
lançados do trebuchet para atingir alvos inacessíveis aos canhões.
A
evolução das armas de fogo aposentou as catapultas. Isso não
impediu sua última glória. Durante a 1a Guerra Mundial (1914-1918),
em meio à batalha de trincheiras, os homens que arriscavam suas
vidas atirando granadas rumo às posições inimigas reinventaram a
roda. Utilizando molas e madeira, construíram pequenas catapultas,
capazes de lançar as granadas sem que fosse preciso se expor ao fogo
inimigo. Uma demonstração de que a simplicidade e eficiência das
armas de cerco ainda podiam causar o que sempre causaram: terror nos
inimigos.
Munição
O
alimento preferido de catapultas e trebuchets eram as pedras. Mas a
criatividade medieval incluía animais mortos – o mais aerodinâmico
era o porco – e cadáveres putrefatos.
Torre
de assalto
Usada
desde os romanos, a torre de assalto era um dos meios mais eficazes
de tomar as muralhas. Era uma torre móvel, que colava na muralha
inimiga e baixava uma porta levadiça para a saída dos atacantes.
Era coberta com couro e molhada para evitar o fogo.
Trebuchet
Primo
turbinado da catapulta, o trebuchet podia chegar a 16 metros de
altura, algo como um prédio de 6 andares. Só o braço da arma tinha
12 metros de extensão.
Contra-ataque
Se
os invasores bobeassem, os defensores abriam de surpresa as portas do
castelo e faziam um contra-ataque para tentar destruir os trebuchets.
Ou então saíam à noite, para tentar quebrar o que pudessem.
Proteção
Alvo
cobiçado pelos inimigos, um trebuchet exigia vigilância constante.
Em defesa aos ataques de cavalaria, era comum os invasores
posicionarem troncos afiados, os piques. Uma guarnição ficava perto
para evitar sabotagens.
Montagem
Construído
em pleno palco de cerco, um trebuchet vinha com grandes toras de
madeira desmontadas em carroças. Para colocar a máquina de pé,
engenheiros demoravam pelo menos duas semanas.
ESTICA
E EMPURRA
Originadas
da funda, estas armas de cerco nasceram na China
FUSTÍBALO
(500 a.C.)
Extensão
ainda maior do braço humano, utilizando um pau e mantendo uma funda
na ponta. Tornou-se uma arma popular no Exército romano.
FUNDA
(Paleolítico)
Suspeita-se
que esta arma tenha mais de 11 mil anos. O que ela faz é aumentar o
tamanho do braço humano, fazendo com que as pedras voem mais longe.
ONAGRO
(100 a.C.)
Funciona
do mesmo modo que uma catapulta de torção, exceto por um detalhe.
Em vez de possuir uma “colher” no final do braço, o onagro tinha
uma funda na ponta da arma.
HSEUN
FANG (400 a.C.)
Funcionando
como uma alavanca, esta arma arremessa pedras por meio de um
superbraço de madeira, puxado com cordas por cerca de 10 homens.
TREBUCHET
(300 a.C.)
É
o sistema de alavanca vitaminado e redesenhado: o ponto de apoio
deslocado para a frente do braço aumenta o alcance e o contrapeso
evita o uso da força humana.
TOrção
(por volta de 400 a.C.)
Usado
tanto na China quanto na Europa, o mecanismo de torção multiplica o
alcance das armas de cerco. A idéia básica é passar uma corda pelo
braço da catapulta (1) e torcê-la (2). Quando o braço é liberado,
a corda retorcida o faz mover-se velozmente, lançando a pedra em
cima do inimigo (3).
ESTICA
E PUXA
Originadas
do Arco, estas armas de cerco nasceram na China
ARCO
(Paleolítico)
Evidências
arqueológicas sugerem que o arco já era utilizado 11 mil anos
atrás. A estrutura de madeira é flexionada por uma corda que, ao
ser solta, transfere a energia.
GASTRAFETE
(400 a.C.)
Usando
a barriga como ponto de apoio, o arqueiro fica com as mãos livres
para puxar mais a corda, aumentando a tensão do arco e fazendo a
flecha ganhar força.
OXIBELE
(375 a.C.)
Esta
arma lança flechas tamanho-família utilizando uma espécie de roda
dentada (igual à dos brinquedos movidos à corda) para puxar o arco.
CATAPULTA
DE ARCO (400 a.C.)
O
princípio do arco ganhou aqui uma nova utilidade: impulsionar um
braço de madeira, uma espécie de colher gigantesca que atirava
pedras.
BALISTA
(100 a.C.)
Filha
do oxibele, a balista romana é ainda maior. Para simular a tensão
do arco, os romanos fizeram um sistema de torção duplo, com dois
feixes de cordas.
CATAPULTA
de TORÇÃO (350 a.C.)
Um
sistema de torção move o braço desta catapulta. O braço da arma
fica enrolado em um feixe de cordas bem torcidas – e cheias de
energia.
Matéria
na íntegra através do link:http://super.abril.com.br/historia/a-mae-de-todas-as-guerras/?utm_source=redesabril_jovem&utm_medium=twitter&utm_campaign=redesabril_super
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