O primeiro mapeamento de manchas estelares
O primeiro mapeamento de manchas estelares
Desde
que Galileu começou a investigar o céu com um telescópio, sabemos
que o Sol tem manchas em sua superfície. Mas agora, pela primeira
vez, um grupo internacional de astrônomos fez imagens diretas de
manchas em uma outra estrela. E elas revelam que nem todas as
estrelas espalhadas pelo Universo se comportam da mesma maneira, em
termos magnéticos.
A
pesquisa tem como primeira autora Rachael Roettenbacher, da
Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. Ela está no Brasil
para discutir seu trabalho em um simpósio da IAU (União Astronômica
Internacional) co-organizado pela Sociedade Astronômica Brasileira
em Maresias (SP).
Chamado
“Vivendo em torno de estrelas ativas”, o evento,
que vai até sexta-feira (21), trará novidades sobre todos os
aspectos do estudo de estrelas e de sua relação com planetas
circundantes.
A
estrela investigada por Roettenbacher e seus colegas é conhecida
como Zeta Andromedae. Os pesquisadores conseguiram monitorá-la
durante uma rotação completa — 18 dias — e, com isso, construir
um mapa de sua superfície. Até então, os astrônomos já sabiam
que havia estrelas com mais ou menos manchas, baseados em sua
variação de brilho, mas jamais alguém havia mapeado sua
distribuição superficial. E não foi moleza conseguir isso.
Embora
já saibamos há séculos, graças ao estudo de sua “assinatura de
luz” (o espectro, para os íntimos), que as estrelas no céu são
similares em natureza ao Sol, a imensa maioria delas aparece apenas
como um ponto luminoso, até mesmo ao telescópio. Raras são aquelas
que são suficientemente grandes e estão perto o suficiente para que
possam ser visualizadas como um disco. E, se isso já é difícil,
que dirá discernir manchas em sua superfície.
Em
contraponto, no Sol, as manchas já são monitoradas desde 1612,
quando Galileu Galilei usou sua luneta e um anteparo para produzir
imagens da superfície solar e constatar ali sua presença (assim
como a rotação da nossa estrela-mãe). Elas são regiões mais
frias da superfície da estrela e estão associadas a variações no
poderoso campo magnético do astro.
Mapa
da superfície da estrela Zeta Andromedae, indicando a presença de
manchas estelares
|
O
DESAFIO INTERESTELAR
Roettenbacher
e seus colegas venceram o imenso desafio de observar as manchas
de uma outra estrela lançando mão de uma técnica conhecida como
interferometria. A ideia, grosso modo, é usar diversos telescópios
pequenos, estrategicamente espalhados, e então combinar as várias
observações numa imagem só.
No
caso em questão, eles usaram os seis telescópios de 1 metro do
CHARA (Centro para Astronomia de Alta Resolução Angular, na sigla
inglesa), do Observatório de Monte Wilson, na Califórnia.
Distribuídos numa região com 330 metros de diâmetro, quando usados
em conjunto, eles podem produzir dados equivalentes a um único
espelho de 330 metros.
Claro
que há uma série de limitações para observação com
interferometria, mas espera-se que um dia seja possível usar a mesma
técnica — com outros instrumentos — para visualizar detalhes de
planetas similares à Terra em torno de outras estrelas. Por ora,
fiquemos felizes com o sucesso no imageamento das manchas de Zeta
Andromedae, que rendeu um artigo
científico no
prestigioso periódico “Nature”.
A
estrela, naturalmente, facilita o jogo: trata-se de uma gigante
brilhante, representativa da fase final de vida de um astro do tipo,
num sistema binário, ou seja, que tem um astro companheiro próximo.
Localizada na constelação de Andrômeda, está a 181 anos-luz da
Terra.
O
mais significativo do trabalho, contudo, foi revelar que o padrão de
manchas encontrado é bem diferente do solar, o que por sua vez
indica que o dínamo que gera o magnetismo de Zeta Andromedae não
opera como o do nosso astro-rei.
Confira
a seguir um papo rápido que o Mensageiro
Sideral teve
com Rachael Roettenbacher.
Rachael
Roettenbacher e seu modelo de Zeta Andromedae
|
Mensageiro
Sideral – Zeta Andromedae é uma estrela gigante, então está nos
estágios finais de sua vida. Não seria esperado que ela pudesse
gerar um padrão diferente de manchas, comparado ao Sol?
Rachael
Roettenbacher – Zeta
Andromedae é uma gigante e está nos estágios finais de sua vida, e
tínhamos razão para acreditar que o padrão de manchas seria
diferente do do Sol a partir de outras técnicas de imageamento.
Houve muitos estudos de manchas estelares ao longo dos anos que
indicavam que estrelas como Zeta Andromedae (que são compostas por
uma gigante e uma companheira próxima na sequência principal)
teriam manchas estelares em seus polos e teriam manchas muito, muito
maiores do que tudo que o Sol pudesse gerar. A coisa interessante
aqui é que usamos técnicas diferentes e de imageamento direto e
fomos capazes de registrar os padrões em Zeta Andromedae para ver
exatamente onde essas manchas estelares estão localizadas. O que nós
não sabíamos antes é se o dínamo magnético de Zeta Andromedae e
de estrelas parecidas era uma extrapolação daquele do Sol ou não,
porque não tínhamos uma ideia clara de onde exatamente estavam as
manchas estelares na superfície, por conta de degenerações das
outras técnicas de imageamento (uma inabilidade de determinar
exatamente a latitude das manchas; latitude é importante, porque as
manchas solares só se formam em faixas relativamente estreitas ao
redor do equador solar, com algum grau de simetria entre os
hemisférios). Com nossas novas imagens que claramente mostram
manchas estelares em qualquer latitude sem uma contraparte no
hemisfério oposto, parece que uma geração tão complicada de
manchas em todos os lugares diferentes na superfície de Zeta
Andromedae exige um mecanismo diferente daquele do Sol.
Mensageiro
Sideral – É possível usar a mesma técnica para imagear manchas
em estrelas na sequência principal, ou o truque é pegá-las quando
elas estão na fase gigante, inchada?
Roettenbacher
– É
possível imagear estrelas na sequência principal com a mesma
técnica. O truque, no entanto, é que precisamos de um
interferômetro maior ou precisamos nos deslocar para comprimentos de
onda mais curtos, porque as manchas nas estrelas da sequência
principal são muito menores do que as manchas que observamos em Zeta
Andromedae. O conjunto CHARA (Centro para Astronomia de Alta
Resolução Angular) no Observatório de Monte Wilson, na Califórnia,
consiste de seis telescópios (com espelho primário de 1 metro) numa
configuração em forma de Y. A maior distância entre dois
telescópios é 330 metros, o que significa que o conjunto é
efetivamente um telescópio de 330 metros e o maior interferômetro
óptico no mundo. Esse tamanho limita nossa resolução, ou a
habilidade para ver detalhes nas estrelas. O instrumento que usamos
para o imageamento é o MIRC (Combinador de Infravermelho de
Michigan), o único combinador de raios que combina todos os seis
telescópios. O MIRC opera no infravermelho (banda H, cerca de 1,65
mícrons). A combinação do MIRC e do CHARA nos dá uma resolução
que permitirá ver detalhes em estrelas no céu que sejam grandes o
suficiente a partir de nossa posição na Terra. Esses detalhes nas
estrelas também precisam ser bem grandes, comparados à própria
estrela, para nos permitir que os enxerguemos. Há apenas um pequeno
punhado de estrelas para as quais podemos fazer isso e que são
suficientemente grandes no céu, suficientemente brilhantes, e têm
manchas suficientemente grandes. Para buscar manchas numa estrela da
sequência principal vamos ter de melhorar nossos interferômetros,
porque as manchas no Sol são significativamente menores do que as
que estamos buscando com o MIRC e o CHARA. Para chegarmos lá,
precisaremos de interferômetros maiores e levar nossos detectores
para os comprimento de ondas visíveis, porque ambos os esforços
irão melhorar a resolução, permitindo que vejamos detalhes menores
nas estrelas.
Mensageiro
Sideral – Por que vocês escolheram esse alvo em particular? Ou ele
era parte de uma amostra e foi o que ganhou a loteria, por assim
dizer?
Roettenbacher
– No
momento, o CHARA e o MIRC são a melhor combinação de
interferômetro e combinador disponíveis para tentar imagear
estrelas. Nossos alvos precisam ser brilhantes (interferômetros têm
muitos espelhos que nos fazem perder luz nas reflexões), grandes
espacialmente no céu (de forma que possamos não só definir a forma
da estrela no céu, mas podemos potencialmente definir traços na
superfície), e têm reconhecidamente manchas grandes (porque nossa
resolução é limitada, precisamos de traços grandes que causarão
óbvias assimetrias na superfície). Como nosso plano era observar e
imagear uma estrela durante o período de rotação completo, nós
também precisávamos de um alvo com uma rotação de período
suficientemente curto para permitir isso (duas a três semanas).
Todos esses requisitos sugerem a escolha de sistemas binários
próximos com uma estrela gigante primária (classe de estrelas
conhecida como RS Canun Venaticorum, ou RS CVn). Há apenas umas
poucas RS CVns que satisfazem todos os nossos critérios, e a Zeta
Andromedae era a mais promissora. Há outras duas estrelas RS CVn que
nós e um colaborador fizemos imagens, e estamos ambos trabalhando
para publicá-las. Zeta Andromedae é uma das poucas estrelas em que
essa técnica é possível no momento, mas, conforme a tecnologia
avançar, será possível observar mais estrelas com manchas.
Mensageiro
Sideral – O que vem a seguir nessa linha de pesquisa?
Roettenbacher
– Esse
trabalho será importante na compreensão dos mecanismos magnéticos
por trás da geração de manchas solares. Para que isso seja útil,
teremos de observar mais estrelas desse modo. Zeta Andromedae e as
duas outras estrelas que já foram imageadas são um bom começo, mas
vamos precisar de uma amostra maior. Há algumas outras estrelas que
mostram potencial para imageamento de manchas solares por
interferometria, mas nós ainda não as observamos, uma vez que essas
observações tomam muito tempo de telescópio, já que exigem
observações durante toda a noite por uma rotação completa, que
gira em torno de duas a três semanas. O que realmente precisamos é
de avanços em resolução, para atingir mais alvos. Isso inclui se
deslocar para os comprimentos de onda visíveis e construir
interferômetros maiores. Um análogo visíveil do MIRC existe no
NPOI (Interferômetro de Precisão Óptico da Marinha) e é chamado
de VISION (Sistema de Imageamento Visível para Observações
Interferométricas no NPOI), mas ele não tem no momento uma área
grande o suficiente para exceder a resolução do CHARA/MIRC.
Matéria na íntegra através do link: http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2016/10/17/o-primeiro-mapeamento-de-manchas-estelares/
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