Um
dia na vida de… uma pessoa com ansiedade ou depressão
Perguntamos
para pessoas com doenças mentais quais são as situações mais
desagradáveis que elas passam no cotidiano e desenhamos para você
As
festas de Natal e Ano Novo talvez sejam a época mais paradoxal do
ano. Ao mesmo tempo em que ficamos mais introspectivos, lembrando do
que aconteceu nos últimos meses e planejando os próximos, é um
tempo de convívio, encontros e confraternizações. Mas, para quem
não consegue responder com sinceridade, e sem engolir seco, à
pergunta “como vai você” na hora da ceia, essa também é uma
fase de muito constrangimento – e passível de muitas opiniões
gratuitas. Se no geral opiniões gratuitas já não são bem-vindas,
para quem sofre de doenças mentais, os pitacos desinformados não
são apenas desconfortáveis, mas ameaças à saúde. E não estamos
falando de doenças raras(pelo menos não desta vez), mas de
ansiedade e depressão, patologias comuns que podem acontecer com
qualquer até mesmo sem um estopim aparente.
Relativizar
os sintomas da doença, ser tachado de louco, culpar o doente por não
mostrar sinais de recuperação, condenar o uso de medicamentos e a
necessidade de tratamento psicológico ou psiquiátrico são apenas
algumas das situações que as pessoas que sofrem com transtornos
psicológicos sofrem.
Mas
ter depressão não é estar tristinho, é estar doente. Quem está
depressivo e não consegue sair da cama não é preguiçoso,
dorminhoco, nem está fazendo corpo mole, está recluso porque não
tem condições de dar conta das atividades do dia a dia. Ter
transtornos de ansiedade não é estar com borboletas no estômago
para fazer uma viagem legal, tirar férias ou comemorar seu
aniversário, é não conseguir aproveitar tudo isso por estar
doente. Pânico, ansiedade e depressão não são frescuras nem
chiliques – são quadros clínicos psiquiátricos que precisam ser
tratados.
Assumir
que o vazio, a apatia, a melancolia e a paranoia que as pessoas com
ansiedade ou depressão sentem são características de doenças
graves (assim como a glicose alterada da diabetes e a gastrite
pré-úlcera), é o primeiro passo para que eles possam se recuperar.
Optamos
por focar em circunstâncias que retratam casos de depressão e
transtornos de ansiedade por serem as doenças psiquiátricas mais
comuns em todo o mundo e também porque seus sintomas e respostas se
manifestam em outras patologias – sendo assim, as duas mais
universais.
Os
quadrinhos a seguir foram inspirados em situações reais pelas quais
pessoas com depressão ou ansiedade passam no dia a dia.
Um
dia na vida de uma pessoa com ansiedade ou depressão
Com
quadrinhos de Helô D’Angelo
Quadrinho
1: duas colegas de trabalho estão sentadas em suas mesas. Uma delas,
a morena, está tomando um antidepressivo. A outra, ruiva, observa e
julga, dizendo: “Você toma remédio… Cuidado, hein? Eu li que
isso aí deixa a gente viciada e só piora as coisas”. Quadrinho 2:
a morena, com cara de “bode eterno”, pensa: “Ah, quer dizer que
se eu fosse diabética não poderia usar insulina?” Nosso conselho
neste caso: Remédios psiquiátricos são medicamentos como quaisquer
outros: você precisa tomar quando adoece. Em alguns casos, a pessoa
toma por um tempo e pronto (como se fosse uma gripe); em outros,
quando a doença psiquiátrica é crônica, ela segue tomando por um
período maior, sempre de forma controlada (como acontece com
diabetes ou pressão alta, por exemplo). Depois da melhora, os
remédios devem ser diminuídos e descontinuados. Mas só um
psiquiatra sabe avaliar se a pessoa precisa de medicamentos.
Quadrinho
1: um homem está com dois amigos no bar. Ele diz: “Comecei a fazer
terapia, gente… tô gostando”. Um dos amigos tira sarro: “Pô,
pra quê gastar dinheiro falando com um estranho? Vem pro bar afogar
as mágoas”. O outro concorda: “É, a gente não cobra nada”.
Quadrinho 2: o homem que está fazendo terapia fica meio bravo e
pensa: “Preciso de ajuda profissional. Não é a mesma coisa que
conversar com amigos”. Nosso conselho neste caso: Desabafar com os
amigos é bom. Mas não é a mesma coisa que receber atenção
profissional. Um profissional estudou muito para ajudar as pessoas
com problemas psiquiátricos. Ele será mais objetivo que os amigos:
não vai falar uma besteira, por exemplo, que pode fazer a pessoa se
sentir ainda pior. Fazer terapia não é desabafar: é fazer um
tratamento.
Quadrinho
1: uma mãe e sua filha já adulta conversam no sofá. A mãe diz:
“Não entendo por que você está deprimida, por que fica tomando
esses remédios, gastando tempo e dinheiro com terapia… Você tem
tudo: é casada, tem casa, comida, trabalho, filhos. Tanta gente
passando fome na África e você aí, sofrendo por nada”. A filha
apenas ouve, calada e desanimada. Quadrinho 2: Foco no rosto da
filha, com cara de “que saco”. Ela pensa: “Não é porque os
outros sofrem que eu não posso sofrer também”. Nosso conselho
neste caso: O sofrimento de uma pessoa não apaga o de outra – e
eles não são comparáveis. Depressão não segue uma “lógica”:
é uma doença. Você poderia ter tudo: dinheiro, amor, um unicórnio
cor de rosa, e ainda assim ter depressão.
Quadrinho
1: na mesa de natal, a família toda está reunida: a prima, o tio, a
tia, a avó, o pai e uma criança. Tem até um cachorro roendo o osso
ao pé da mesa. O tio, de bigode e comendo uma coxa do peru, comenta:
“A filha da Lurdes surtou no trabalho. Parece que deu um
escândalo”. A tia, toda perua, responde: “eu sempre soube que
ela não batia bem”. A avó, no centro da mesa, comenta: “É uma
louca, mesmo”. O pai, na ponta e perto da filha pequena, diz:
“Tinha que ir pro hospício”. A única que não diz nada e parece
constrangida é a prima, sentada na outra ponta da mesa. Quadrinho 2:
foco na prima. Ela está com uma expressão de preocupação e pensa:
“Que chato chamar uma pessoa de louca. Eles não sabem como é a
vida dela”. Nosso conselho neste caso: Ao chamar alguém de louco,
você está usando um rótulo carregado de preconceitos – que pode
até piorar o quadro da pessoa. Afinal, ser chamado de louco pode
afetar negativamente a autoestima, que está diretamente ligada à
saúde mental.
Quadrinho
1: uma adolescente está jantando com os pais. Ela diz, tímida:
“Minha professora disse que seria legal eu ir a um psiquiatra”. A
mãe, chocada, responde: “Psiquiatra?! Pra quê?”. O pai, bravo,
berra: “Não vou pagar médico de louco. Você é normal!”.
Quadrinho 2: a menina fica visivelmente constrangida e diz: “Mas
psiquiatra é um médico como qualquer outro” Nosso conselho neste
caso: Se você está com dor de barriga, vai ao gastro. Se está com
dor de dente, vai ao dentista. Se está com dor de ouvido, vai ao
otorrino. Dificilmente você aguentaria viver com uma perna quebrada
ou um tumor em algum lugar. Por que seria diferente com o psiquiatra,
que não passa de um médico que cuida da cabeça?
Quadrinho
1: uma moça está no sofá de casa com o namorado. Ele está
deprimido, olhando para o nada. Ela diz: “Eu sei como você se
sente. Eu mesma já fiquei tristinha várias vezes”. Quadrinho 2: o
namorado fica com cara de irritado e pensa: “Eu não estou
“tristinho”. Estou deprimido, é diferente”. Nosso conselho
neste caso: Afirmar que entende como uma pessoa com depressão se
sente por já ter experimentado tristeza é a mesma coisa que dizer
que você poderia ser jogador da Seleção Brasileira só porque
marcou uns gols na pelada do final de semana. Tristeza é um
sentimento normal que geralmente tem uma causa específica – e
passa sozinho. Já a depressão é uma doença que precisa de atenção
especializada e que tem inúmeros sintomas. Nem sempre a pessoa
deprimida parece triste, por exemplo: pode ser que ela apenas não
tenha energia e vontade de viver.
Quadrinho
1: Um rapaz está encolhido, chorando e tremendo, tendo uma crise de
pânico. Um amigo está tentando ajudar. O amigo diz: “Calma! É só
pensar que isso é coisa da sua cabeça que passa”. Quadrinho 2: o
rapaz em crise levanta a cabeça e, irritado, grita: “Eu sei que é!
Mas isso não ajuda em nada!” Nosso conselho neste caso: Dizer que
um problema psiquiátrico é “coisa da cabeça” pode até ser
verdade, se a gente pensar ao pé da letra. Mas não alivia o
sofrimento de ninguém: afirmar isso é o mesmo que falar que uma
crise de pânico é uma escolha da pessoa. E não é o caso: um dos
sintomas dos problemas psiquiátricos pode ser a incapacidade de se
cuidar sozinho.
Quadrinho
1: um rapaz está deitado na cama, deprimido, com uma cara de tédio
total, de alguém que não sente absolutamente nada. A mãe dele está
de pé ao lado da cama, com expressão preocupada. Ela diz: “Essa
sua depressão é besteira! É só você sair de casa, trabalhar,
fazer esportes, conhecer uma moça. Cabeça vazia é oficina do
diabo”. Quadrinho 2: foco no rosto do rapaz. A expressão de tédio
dele mudou para uma feição de raiva. Ele pensa: “Eu não tenho
forças nem para comer e ela quer que eu viva normalmente?” Nosso
conselho neste caso: Cada pessoa tem sintomas diferentes para sua
doença psiquiátrica – e ela não controla como vai se sentir.
Depressão não é preguiça ou corpo mole. Por isso, essas “dicas”
não funcionam. Ninguém tenta tratar um braço quebrado ou uma
úlcera estomacal só com a força do pensamento. Então, por que
seria diferente com a depressão – ou qualquer outra doença?
Quadro
1: duas amigas estão sentadas lado a lado em um banco de praça. Uma
delas, morena e de cabelos curtos, parece nervosa. A outra, com os
cabelos vermelhos, parece estar tranquila. A moça nervosa diz: “Eu
acho que estou tendo uma crise de ansiedade”. A outra responde:
“Para com isso! Você está exagerando… Não tem razão pra essa
ansiedade. Fica tranquila que passa”. Quadro 2: a amiga nervosa
fica muito irritada, chorando. Ela pensa, sarcástica: “Agora que
você falou isso, eu posso enfim desligar minha ansiedade. Só que
não”. Nosso conselho neste caso: Doenças psiquiátricas como a
ansiedade não são uma invenção da pessoa: elas têm sintomas
reais. Elas também podem não ter um gatilho óbvio ou um motivo
claro. Para ajudar, não responsabilize a pessoa pelos sintomas e
leve-os a sério. Assim, ela entende que está sendo ouvida e
respeitada.
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