O que você vai ser na velhice?
O que você vai ser quando envelhecer?
Seremos velhinhos silenciosos, sentados em um banco de praça, exercendo o tédio de um dia que passa lentamente?
Entre
gostos e desgostos, sonhos e conquistas, um tanto de perdas e um
bocado de ganhos, a vida circula com criatividade no intervalo entre
o nascimento e a morte.
Entre
os caminhos que virão e as rotas já traçadas, estacionamos nossa
teimosa esperança de uma vida sem fim e de uma juventude eterna. E
assim, envelhecer continua sendo uma das certezas mais difíceis e
delicadas para o ser humano.
Enquanto
a ação do tempo provoca efeitos no corpo – perda de água, de
elasticidade, de firmeza e dos sentidos -, cresce o sentimento,
especialmente na nossa cultura, de que a pessoa que envelhece vai
perdendo espaço na sociedade.
Infelizmente,
esse sentimento se faz realidade, e ainda é comum os olhos da
sociedade se voltarem para a velhice com rótulos e estigmas, como
demonstra o geriatra José Elias Soares Pinheiro, presidente da
Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
Ao
HuffPost Brasil, Pinheiro disse que os idosos ainda são rotulados
como “frágeis”, de “pouca renda”, “portadores de doenças
crônicas” e relacionados a perdas.
Em
um futuro breve, esse rótulo vai recair sobre a maioria dos
brasileiros: em 2030, o Brasil será um país de idosos, segundo
estimativa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O presidente da SBGG reforça que o envelhecimento populacional é
inquestionável:
“O
aumento dos idosos no total populacional é evidente no nosso
cotidiano. O homem brasileiro vive em média 74 anos e a mulher
brasileira, 77 anos.”
Ainda
assim, somos uma sociedade que não reconhece a própria velhice, e
contabilizamos, no dia a dia, inúmeras demonstrações de
desrespeito. Filas e lugares prioritários são ignorados; a
segurança financeira após a aposentadoria parece um desejo ingênuo;
a falta de paciência impera nos espaços de convivência.
“A
velhice tende a ser desvalorizada e renegada à invisibilidade”,
lamenta a psicanalista e doutora em Saúde Coletiva pela Unifesp
Natália Alves Barbieri, que coordena grupos de estudo e de
supervisão sobre a clínica do envelhecimento.
“Um
dos fatores que marca esse momento é a saída do universo do
trabalho. Aposentar significa, entre outras coisas, retirar-se aos
aposentos. A fragilidade não é uma condição apenas da velhice,
mas do humano, e tende a se intensificar com o avançar da idade. Mas
a fragilidade não precisa significar isolamento, limite, sofrimento.
É preciso tomar cuidado para não opor fragilidade e atividade. É
possível ser ativo e frágil.”
Apesar
de ser uma certeza, o envelhecimento não é um processo fácil. “A
‘entrada’ na velhice pode ser vivida como uma crise em que o
sujeito leva um susto diante da percepção de sua finitude”,
explica Barbieri. Nessa crise, uma pessoa pode repensar a própria
vida ou se fechar por achar que já viveu e não há mais
possibilidade de mudança.
“Muitas
pessoas, nesse sentido, podem viver o envelhecimento de forma
traumática, mais ou menos sofrida, sendo necessário algum
acompanhamento. Mas outras podem se abrir para novas experiências. A
existência de espaços coletivos para se compartilhar a experiência
de envelhecer é fundamental.”
Socialmente
falando, falta “criarmos uma cultura da longevidade que ofereça um
imaginário com várias possibilidades de velhices, para que as
pessoas possam buscar referências que mais lhe caibam”, destaca a
psicanalista.
Para
começar a expandir esse imaginário, poderíamos fazer esta
pergunta: quem seremos quando o futuro tiver chegado para cada um de
nós? Seremos velhinhos silenciosos, sentados em um banco de praça,
exercendo o tédio de um dia que passa lentamente?
É
essa a velhice que enxergamos no intelectual Noam Chomsky, na cantora
Elza Soares, no historiador Boris Fausto, no músico Mick Jagger, nos
atores Fernanda Montenegro e Carlos Vereza, na romancista Lygia
Fagundes Telles e no escritor Luís Fernando Veríssimo? Em nossos
avôs e avós?
Com
o avanço da longevidade e o crescimento da população acima de 60
anos, os estigmas em torno da velhice precisam desaparecer, adverte
Pinheiro:
“Hoje,
ser idoso não é mais sinônimo de incapacidade, tristeza ou ser
ultrapassado; pelo contrário, o idoso está cada vez mais
familiarizado com tecnologias, inserido no mercado de trabalho e em
atividades cotidianas, de lazer, culturais, intelectuais,
educacionais e físicas. A velhice não pode ser enxergada como ‘fim
de vida’, porque essa finitude do ser humano não se restringe a
essa faixa etária. Todos estamos sujeitos a ela.”
Segundo
o geriatra, a falta de planejamento para idosos no Brasil é muito
clara. O argumento de que somos um país em desenvolvimento não
justifica retardarmos medidas necessárias para podermos usufruir
essa conquista da espécie humana. Pra ele, o que pode tornar o
processo de envelhecimento menos preocupante em nosso país é uma
mudança de cultura.
“É
fundamental garantir um processo de envelhecimento ativo, ou seja,
inserir a pessoa idosa nas atividades comuns da família,
incentivá-la a realizar atividade física e mental apropriada, como
caminhadas, leitura, estudos em geral. É imprescindível fazer que o
idoso não se sinta um peso, mas se sinta querido, se sinta fazendo
parte da família, independente das diferenças cronológicas.”
Depressão
e tristeza
Na
vida privada, o estigma da velhice é demonstrado no isolamento, no
abandono e na negligência de algumas famílias. Nesse contexto,
problemas emocionais como a depressão aparecem e acabam não sendo
reconhecidos. Com frequência, o silêncio de um idoso ou um
sofrimento são tratados como algo “típico da idade”. É um
comentário comum, mas que pode ser muito perigoso, ressalta
Barbieri:
“Essa
é uma resposta que remete a uma ‘normalidade típica da idade’,
como se não tivesse efeitos para o sujeito. Essa ideia presente no
senso comum contribui para que idosos se isolem cada vez mais.
Tristeza, sofrimento ou depressão demandam atenção,
acompanhamento, escuta e, em certos casos, tratamento.”
Além
das situações de abandono, a morte de amigos e parentes também
provoca muita tristeza. Com um agravante: os rituais de simbolização
das perdas estão cada vez mais acelerados.
“Perder
é uma das coisas mais difíceis para o ser humano. Os rituais que
envolvem a morte, como velório, enterro, cerimoniais, entre outros
rituais, servem como momentos coletivos para se lidar com essas
situações. Cada vez mais esses rituais tendem a ser retirados ou
cumpridos apenas como pro forma, tendo que acabar o mais rápido
possível. A morte é hoje um grande tabu.”
De acordo com a psicinalista, é preciso respeitar a dor de quem perde e o processo de luto. Porém, é preciso atenção para que esta tristeza possa se transformar em outra coisa com o passar do tempo.
De acordo com a psicinalista, é preciso respeitar a dor de quem perde e o processo de luto. Porém, é preciso atenção para que esta tristeza possa se transformar em outra coisa com o passar do tempo.
“Se
a pessoa entrar num processo de fechamento de mundo, num quadro
depressivo que afete seu cotidiano após um tempo razoável depois da
perda, talvez seja necessária alguma intervenção, pois não é
normal ficar triste na velhice sem que se faça nada a respeito.”
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