Idiomas inexistentes até em outros países são falados no SUL do Brasil
Colônias do interior falam idioma que não existe mais nem em outros países
Quando
elas se encontram, é difícil acompanhar o que falam as mulheres de
Colombo, cidade no interior do Paraná a apenas 15 km de Curitiba.
Em
meio às frases em português, soltam um "Ma varda, che bruti
mistiri" ("mas olhe, que coisa feia"), ou "Sboraminti,
tusi" (algo como "meninada bagunceira").
Parece
italiano, mas não é. Entre gargalhadas e memórias, elas exercitam
o vêneto, dialeto da terra dos pais e avós que quase não existe
mais nem na Itália.
"É
uma viagem no tempo", diz a pesquisadora italiana Giorgia
Miazzo, 39, que é doutora em linguística pela Universidade de
Veneza e visitou a região neste ano. "É lá que estão os
últimos italianos."
Colônias
como a de Colombo preservam idiomas e tradições quase perdidos nos
países de origem –e atraem pesquisadores que querem saber como
eles se mantiveram quase 200 anos após o início da imigração do
século 19.
O
isolamento e a religiosidade dos imigrantes ajudam a explicar o
porquê.
C"É uma outra dinâmica: são pequenos municípios, a maioria de cunho rural, onde a mobilidade é muito pequena", diz a professora da Universidade Federal da Fronteira Sul Cristiane Horst, que estuda o alemão falado no Brasil –conhecido como hunsriqueano.
Entre
os descendentes alemães do oeste catarinense, por exemplo, zepelin é
sinônimo de avião, e caminhão, que nem existia à época da
imigração, ganhou uma terminação alemã: caminhong.
"É
praticamente aquela língua que chegou ao Brasil em 1824", diz
Horst.
Na
colônia italiana de Colombo, ocorre o mesmo. Pia ainda é chamada
pelos mais velhos de "seciaro" (fala-se "setiaro"),
um antigo móvel em que se penduravam baldes para enxaguar a louça.
Há
descendentes que ainda preservam expressões do século 17. É o caso
da colônia russa de Santa Cruz, no interior do Paraná.
O
local foi tema de pesquisa da professora Olga Rovnova, do Instituto
de Língua Russa Vinográdov, que estuda o dialeto dos chamados
"fiéis antigos", ou starovéri. São russos que deixaram o
país no século 17, por perseguição religiosa, migraram para a
China e, depois, para o Brasil.
O
isolamento da colônia, que vive da agricultura, fez com que a língua
se preservasse quase intacta.
TRADIÇÃO
Junto
ao idioma, tradições também se preservaram.
Entre
imigrantes da Ucrânia, país que sofreu com o domínio soviético
por quase todo o século 20, costumes como a pêssanka, ovos
decorados com celebrações à primavera e à Páscoa, se mantiveram
por muito tempo mais fortes no Brasil do que lá.
"Tudo
foi proibido durante o regime soviético; quem mantinha era em
segredo", diz a descendente Mirna Voloschen, 51, que vive em
Curitiba e é diretora da Sociedade Ucraniana do Brasil.
Na
década de 1990, brasileiros que estiveram na Ucrânia após a
independência do país ajudaram a revitalizar o costume do pêssanka
por lá.
Manter
os costumes e o idioma é desafiador para muitos descendentes no
Brasil. No interior, crianças ainda são alfabetizadas em alemão ou
ucraniano e só aprendem o português na escola.
Já
em Colombo, só os mais velhos falam vêneto. De tradição oral, ele
é de difícil transmissão –na Segunda Guerra Mundial (1939-1945),
a proibição de idiomas estrangeiros no Brasil acabou intimidando os
falantes.
"Uma
vez chamei minha professora de maestra. Para quê... Quebrou a régua
na minha cabeça", lembra a comerciante Maristela Cavassin, 54.
"Infelizmente,
a língua está se perdendo. Da minha idade, só conheço uns seis
que falam", afirma o pesquisador Fábio Machioski, 33,
coordenador do museu e membro da associação italiana da cidade.
O
talian, variação "abrasileirada" do vêneto e falada em
colônias do Sul, já é considerado um idioma cooficial em algumas
cidades e foi reconhecido como referência cultural brasileira em
2014.
O
mesmo esforço está sendo feito com o hunsriqueano, a variante do
alemão: pesquisadores estão trabalhando num inventário de palavras
para vê-lo reconhecido como patrimônio cultural imaterial.
Para
o antropólogo Paulo Guérios, da Universidade Federal do Paraná,
que estudou a imigração ucraniana, os costumes e idiomas só
permanecem se ainda fazem sentido e é natural que se mesclem à
cultura brasileira.
"Elementos
culturais mudam, e o purismo está ligado à retórica da perda: a
impressão de que no passado havia algo puro, que foi perdido. O
importante é que os elementos vitais fiquem se ainda têm
significado", explica.
Matéria
na íntegra através do link:
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/12/1845933-colonias-mantem-dialetos-e-cultura-estrangeira-no-interior-do-brasil.shtml?cmpid=twfolha
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