Síndrome do impostor', um problema trazido à tona pelas mulheres
'Síndrome do impostor', um problema trazido à tona pelas mulheres
O
fenômeno derruba a autoestima e faz com que profissionais
bem-sucedidas sintam-se uma “fraude” na vida profissional
Ansiedade generalizada, falta de auto-estima, depressão e frustração são alguns dos sintomas . |
Um
fantasma ronda a autoestima de mulheres, especialmente daquelas que
ocupam cargos de destaque no mundo empresarial: sentir-se com
frequência uma impostora, uma verdadeira fraude, indigna de receber
tanto destaque em sua área de atuação, a despeito de todos os
elogios, feedbacks positivos e outras provas de reconhecimento.
Consagrada
no senso comum pelo termo "síndrome do impostor", o
fenômeno não é exclusivo ou inerente ao gênero feminino, mas tem
sido debatido sobretudo entre as mulheres. Ao mesmo tempo,
identificar, entender e batalhar para minimizar tais pensamentos
auto-depreciativos também pode ser uma poderosa ferramenta na luta
por mais equidade
entre os gêneros no
ambiente corporativo.
A
chamada síndrome do impostor foi descrita pela primeira vez em 1978,
pelas psicólogas norte-americanas Pauline Clance e Suzanne Imes,
ambas pesquisadoras da Universidade Estadual da Georgia, no artigo
The
Imposter Phenomenon in High Achieving Women: Dynamics and Therapeutic
Intervention.
O
trabalho é resultado de cinco anos de pesquisas com 150 mulheres
altamente bem-sucedidas: detentoras de títulos de doutorado,
respeitadas em suas áreas profissionais ou estudantes reconhecidas
pelo bom desempenho acadêmico. No entanto, apesar das notas máximas,
títulos e prêmios recebidos, essas mulheres não se consideram
inteligentes ou capazes. Na verdade, diz o estudo, elas estão
convencidas de que todos os outros estão enganados a respeito de
suas habilidades. Acreditam que todo o sucesso é fruto do acaso, da
sorte ou de algum erro no processo.
Muitas
estudantes, afirmam Clance e Imes, literalmente fantasiam que só
foram aceitas na universidade devido a algum erro. Ou que tiraram
boas notas em um exame por sorte. E o pior: elas temem que, a
qualquer momento, alguém descobrirá que são impostoras ou uma
fraude.
Ansiedade
generalizada, falta de auto-estima, depressão e frustração
relacionada com a impossibilidade de atingir padrões de excelência
auto-impostos são alguns dos sintomas mais reportados entre as
mulheres que participaram do estudo.
Além
de afetarem o desempenho e a produtividade, essas condições atuam
como barreiras internas "invisíveis", impactando o
bem-estar e a saúde mental, explica a doutora em Psicologia pela
UnB, Renata Muniz Prado, cujas pesquisas focam-se na identificação
e promoção do talento feminino.
"As
pessoas acometidas pela síndrome do impostor não desfrutam seus
sucessos, gastam muita energia para manter-se em alta performance
pois criam padrões elevados para si mesmo, e tendem ao
perfeccionismo, o que pode resultar tanto em excesso de preparo para
o trabalho com mais anos de estudos e formações, como levar à
procrastinação", afirma.
Acostumada
aos holofotes desde criança, prestigiada mundialmente por seu
talento e duas vezes reconhecida como Melhor Atriz na premiação
do Oscar, Jodie
Foster confessa que tudo parecia um mero golpe de sorte. Por muito
tempo, temerosamente fantasiou que viriam até sua casa, bateriam na
porta e pediriam o prêmio de volta.
A
aclamada poeta Maya Angelou já havia escrito 11 livros, mas ainda
debatia-se com a sensação de que era uma fraude. "Toda vez eu
pensava: agora eles vão descobrir. Eu enganei todo mundo e eles vão
descobrir".
Sheryl
Sandberg, braço-direito de Mark Zuckerberg na bilionária Facebook,
também confessa: "Tem dias que acordo me sentindo uma fraude,
sem ter certeza que eu deveria estar onde estou".
A
psicóloga Beatriz Nóbrega, hoje consultora, atuou por quase 20 anos
em altos cargos na área de recursos humanos e percebeu a síndrome
de impostora ainda no início da carreira. “Meu primeiro salário
como trainee era equivalente a remuneração do meu pai à época e
comecei a me questionar se eu valia aquilo tudo e se eu merecia tudo
aquilo”, lembra.
'Comecei a me questionar se eu valia aquilo tudo', lembra Beatriz |
Assim
como Beatriz, a hoje consultora Regina Nogueira também sentiu a
síndrome do impostor ainda no início: há 25 anos se tornou a
diretora mulher mais jovem de uma grande multinacional. “Meu receio
de achar que não estava correspondendo era tanto que passei a me
vestir diferente, a ter uma postura mais formal, na tentativa de me
adequar ao cargo, fantasiosamente. Achava que não ia dar conta e que
se eu mudasse de postura, brincasse menos, estaria mais credenciada a
merecer o cargo”, relembra.
A
engenheira Catalina Jaramillo, 33 anos, é co-fundadora da startup
Viajala.com.br. Dos cinco sócios da empresa, quatro são homens e
franceses - Catalina é a única mulher e colombiana. Foi justamente
na hora de empreender que veio a sensação de não estar no lugar
certo.
Então
diretora de importação em uma empresa de design e luxo, ouviu do
chefe que empreendimento digital era coisa de gente nerd, que ela
jamais pertenceria a esse mundo. “Somos poucas as mulheres que
empreendem e menos ainda as que trabalham com tecnologia, um meio
impregnado de estereótipos que nos fazem duvidar de nós mesmas o
tempo todo”, afirma.
Problema
não acontece só com mulheres
Renata
Prado alerta, porém, para não considerar a síndrome do impostor
uma questão exclusivamente feminina ou mais prevalente em mulheres.
Parte da confusão pode ser explicada pelas primeiras descrições do
fenômeno.
"Os
primeiros estudos foram realizados com mulheres e, por muito tempo,
buscou-se entender os fatores responsáveis pela síndrome do
impostor nelas, como internalizações de estereótipos de gênero.
Mas hoje sabe-se que ocorre em ambos, igualmente", explica.
"As
mulheres estão cada vez mais assumindo cargos elevados em empresas e
os homens começam a se deparar com emoções que talvez nunca antes
tinham pensado e sentido. Com o passar do tempo, acredito que esta
síndrome atingirá o mesmo numero de pessoas, sem distinção de
gênero", afirma o mestre em Psicologia pela PUC-RS, Fernando
Elias José.
A
própria autora do estudo de 1978, Pauline Clance, revisou-o em 1993,
concordando que é incorreto entender a síndrome do impostor como
uma questão unicamente feminina.
Clance
até mesmo questiona o uso do termo "síndrome" para se
referir ao problema. De fato, a problemática descrita não cabe na
definição psicológica clínica de "síndrome". No artigo
original, Clance usou a expressão "fenômeno do impostor",
mas caso pudesse voltar no tempo, utilizaria ainda outra palavra.
"Se
pudesse fazer tudo de novo, chamaria de "experiência do
impostor", porque não se trata de uma síndrome, complexo ou
doença mental, é algo que quase todo mundo experiencia",
afirmou em entrevista para o livro Presence,
da também psicóloga Amy Cuddy.
No
entanto, o fato de as mulheres de forma geral ainda receberem menos
oportunidades ao
longo da carreira e vivenciarem mais intensamente os estereótipos de
gênero a fim de chegar aos cargos de maior prestígio ajudam a
explicar essa associação.
Outra
alternativa oferecida por Cuddy é que homens são menos propensos a
confessar aos amigos ou desabafar nas redes sociais quando sentem-se
uma fraude. Para Clance, existe uma pressão cultural para os homens
não compartilharem seus medos e inseguranças.
Além
disso, Renata Paparelli, doutora em Psicologia Social pela USP e
docente na área de saúde mental relacionada ao trabalho na PUC-SP,
acrescenta que as situações descritas na síndrome do impostor,
quando retiradas da esfera do indivíduo e levadas para um contexto
mais amplo do mundo do trabalho, podem ser identificadas como outra
questão, mais coletiva, chamada de “neurose de excelência”.
O
fenômeno, explica, é criado pelas novas formas de organização do
trabalho, que se afastam da lógica taylorista/fordista de uma
hierarquia rígida e de uma clara separação entre trabalhadores e
patrões para misturar-se com a chamada “gestão flexível”.
Nela,
a figura do chefe é simbolicamente substituída por uma meta e, o
trabalhador, é convocado a agir de modo “excelente”, o que
muitas vezes pode significar horas extras ou levar o trabalho para
casa. “Essa gestão e seleção por competências acabam se
tornando uma seleção de pessoas que são de um determinado jeito,
que ‘vestem’ a camisa da empresa. Só que nem todos são assim.
Nesse sentido, muitos trabalhadores sequestrados por essa lógica
organizacional ficarão o dia todo pensando em como podem melhorar,
sentindo-se menos do que são”, explica.
Ela
ressalta, porém, que no, caso das mulheres, essa questão torna-se
ainda mais grave. “Se hoje é exigido do homem que seja um atleta
de alto desempenho na empresa, no caso da mulher isso é ainda mais
forte. E como ela é desqualificada constantemente no processo de
divisão de gênero no trabalho, essa neurose incide de maneira
diferente nos dois gêneros, com as mulheres sentindo isso de forma
mais clara”, afirma.
Como
deixar de se sentir uma fraude
E
o que fazer para parar de sofrer com o fenômeno do impostor?
O
livro "Clube da Luta Feminista", de Jessica Bennett, dá
algumas dicas práticas para mitigar os efeitos nocivos de se sentir
uma fraude: trocar experiências com amigos e amigas, procurar não
dar ouvidos para a "vozinha negativa interior" e
preparar-se mais como forma de prevenir qualquer possível
insegurança.
Beatriz
reconhece que o sentimento de falta de merecimento pode tê-la
boicotado algumas vezes, principalmente ao descaracterizar ou
minimizar os elogios recebidos. Para contornar a insegurança, a
psicóloga criou um método: passou a reunir em uma pasta - hoje
virtual - os elogios de clientes, chefes, subordinados e pares. É a
esse material que ela recorre quando precisa relembrar seu próprio
valor.
O
sentimento de inadequação e falta de merecimento fez com que Regina
deixasse de se posicionar como gostaria, especialmente em ambientes
dominados por homens. A ex-executiva buscou ajuda profissional e
aprendeu a olhar de forma positiva para os próprios resultados. “A
partir daí, tive noção de que podia driblar esse tipo de situação.
Tornei o resultado do meu trabalho incontestável. Foquei nas tarefas
e nas demandas que tinha, sem me importar com o entorno”.
No
caso de Catalina, a sensação de não estar no lugar certo nunca a
impediu de avançar nos seus projetos. Ela acredita que valorizar o
próprio trabalho e reconhecer seus méritos é um dos caminhos para
driblar a síndrome da impostora, e não atribuir o sucesso à “pura
sorte”.
“Se
comparamos objetivamente nossas competências e êxitos com os dos
homens que possuem os mesmos cargos, é mais fácil nos darmos conta
do quanto somos qualificadas e merecemos o mesmo sucesso. É um
exercício diário”, finaliza.
Matéria
na íntegra através do link:https://www.cartacapital.com.br/sociedade/sindrome-do-impostor-mais-uma-pedra-no-caminho-das-mulheres
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